Cegos e Enfraquecidos

A praça do pedágio na Linha Amarela tem uma localização estratégica. Ela fica no ponto mais importante para o deslocamento dos motoristas. Trata-se da interferência do trajeto com os morros ou elevações que separam o Méier da Barra da Tijuca. Quem quiser ir da Barra para o Méier, ou vice-versa, sem contornar as formações topográficas entre os dois bairros, percorrendo apenas cerca de 30% da extensão da via, terá que pagar o pedágio. Por outro lado, quem vier do Aeroporto Tom Jobim para a Barra, ou vice-versa, ou de qualquer outro bairro, utilizando 100% da via, terá também que pagar o pedágio.

A escolha do local para a praça do pedágio não poderia ter sido melhor. Tendo-se em vista o objetivo primeiro: fazer com que o maior número possível de veículos não fique isento do pagamento. Não há preocupação das autoridades com o conforto dos cidadãos. Não se pode permitir que a um custo menor que o estabelecido para o pedágio, as pessoas pudessem se deslocar mais rapidamente para ou da Barra.

A manutenção da via deveria ser custeada parte pela concessionária e parte pelos impostos cobrados à população. Ficando o valor do pedágio reduzido à metade. Mas parece que o dever das autoridades é exatamente o de não se preocuparem com o bolso e nem com o conforto e a qualidade de vida das pessoas.

É o que se vê também no que se refere às multas de trânsito. Trata-se efetivamente de uma verdadeira indústria de multas, objeto de repetidas denúncias de diferentes setores da opinião pública. Os chamados “pardais” são colocados agora bem próximos aos semáforos. Eles devem registrar o excesso de velocidade e o avanço de sinal. Assim o motorista está em condições de ser punido duas vezes. O que implica no aumento da arrecadação. Não interessa aos governantes saber se o motorista se acidenta frequentemente ou se vem a falecer em decorrência de um acidente. Os números apurados servem apenas para a elaboração de planilhas para fins estatísticos.

Também não interessa a educação do motorista para o trânsito. Investe-se em cursos rápidos destinados a fazer com que o motorista reveja as regras e os procedimentos que ele tem que observar para fazer algo que ele já sabe: colocar o carro em movimento. Mas não se investe na personalidade dos condutores de veículos, em programas educacionais que visem o aumento do respeito do indivíduo pela sua própria pessoa. Só respeitando-nos a nós mesmos teremos condições de respeitar os nossos semelhantes.

Os bancos têm autorização do governo para funcionarem das 10 às 16h. Enquanto que em qualquer outra atividade produtiva basicamente o horário se estende das 8 ou 9 até às 17h. Os bancos não respeitam a legislação quanto ao tempo máximo (20 minutos) de permanência do cliente na fila. E não são punidos por isso. Têm a cumplicidade do Banco Central. Não se preocupam, portanto, com as necessidades do cliente. O que lhes interessa é a economia que fazem, quando deixam de contratar mão de obra para estender o horário de atendimento ao público. O que reduziria o tempo de permanência nas filas.

Os médicos muitas vezes nos direcionam para determinados tipos de medicamentos em função do percentual, sobre a venda dos produtos, que recebem dos laboratórios ou representantes. Nos hospitais por vezes somos encaminhados para exames ou até cirurgias absolutamente desnecessárias. Mas que vão render valores que, somados aos de outros pacientes, aumentam fabulosamente a arrecadação desses hospitais.

Os Planos de Saúde, numa ação conjunta com a agência reguladora do setor – a Agência Nacional de Saúde – tudo fazem para tornar dificultosa a utilização dos serviços médicos pelos clientes quando mais urgente se torna a sua necessidade. Tudo em nome do aumento de suas receitas. Sem falar nos reajustes anuais, concedidos por ofício pela agência de saúde, cujas planilhas nunca estão à disposição dos “beneficiários”. Isto é, nunca ficamos sabendo como se chegou ao determinado percentual de reajuste para as nossas mensalidades.

Certas igrejas (ou todas?) hoje são verdadeiras casas de negócio. Ali assinam-se escrituras de imóveis no céu, concedem-se atestados de saúde ou de idoneidade moral assinados por Jesus Cristo, as pessoas doam seus carros, casas, jóias ou o maior valor que tiverem no bolso pela extinção de seu sofrimento, etc.

Enfim, em uma sociedade como a nossa, tudo se faz em nome do dinheiro. Por isso é que, se perdemos um parente com alguns sinais de riqueza, ficamos logo preocupados com a destinação de seus bens ou propriedades. Por isso é que os padres não casam. Por isso é que existem mulheres especializadas em procurar maridos em situação financeira confortável. E vice versa. Por isso também é que não deveríamos ficar admirados ao vermos pela televisão políticos escondendo dinheiro nas meias ou na cueca.

Porque o dinheiro assume para nós a importância de um deus. Que tudo resolve. Tudo nos concede. E cuja obtenção – sempre na maior quantidade possível – se torna vital para a nossa existência. Não é à toa que ambas as palavras iniciam pela mesma letra. Na língua inglesa não temos o “d”. Mas temos o “g” – gold e God.

Estranha e ironicamente, apesar de tudo isso, a impressão que se tem é que essa forma de socialização se torna cada vez mais enfraquecida. Porque estabelece um tipo de paranóia que não nos permite a cultivação de valores mais importantes – os que nos concederiam a chance de olharmos para nós mesmos. Se reconhecemos em nós esse objetivo comum a todos, então ninguém está vendo mais nada. Além daquilo que se tornou uma exigência.

Tornamo-nos cegos. Ficamos doentes. Mas insistimos em dizer que é bom.

Aluizio Rezende
Enviado por Aluizio Rezende em 26/08/2010
Código do texto: T2460224
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