Sobre o meu nome



     1. Reler Rachel de Queiroz é uma delícia.  Faço isso sempre, dando preferência às suas crônicas. Disse, em algum lugar deste site, que leio as crônicas da Rachel, desde que ela as publicava na revista O Cruzeiro, do doutor Assis Chateaubriand.
     
2. Depois deste pequeno preâmbulo, é aceitável que o leitor pergunte o que tem a ver Rachel de Queiroz como o meu nome. No final desta página, respondo. 
     
3. Quero dizer, que a saudosa escritora cearense fazia questão de que o seu Rachel fosse escrito com - ch. Chamou de mal-educados os que insistiam em escrever Rachel sem o ch; simplesmente, Raquel. "Detesto", foi a palavra que ela usou em uma de suas crônicas para expressar sua repulsa. 
     
4. Mas há celebridades - e aqui me limito exclusivamente à área da literatura -, cujos nomes geram dúvidas na hora de serem grafados. Pelo menos enquanto a gente não se familiariza com sua biografia ou tornamos rotineiro o manuseio de sua obra.
     
5. Ruy  Barbosa, por exemplo. Já surpreendi gente graúda escrevendo o nome do  jurista baiano com - i, Rui,  quando o correto é com y; Ruy: assim o valoroso jurista e tribuno da Boa Terra assinava seu nome.
     
6. Vez em quando, me fazem esta pergunta: "E você, é com e, ou é com i? É Felipe ou Filipe?" Respondo, sem tergiversar, que sou Felipe com e.
     
7. Estabelecida a polêmica, busquei, nos compêndios, um pouco da história do meu nome.
Confirmei que vem do grego  Philippos (de philos + hippos, amigo dos cavalos).  
     
8. Divagando um pouco, devo revelar que a tradução do meu nome - amigo dos cavalos -, não coincide com o que mais gosto no reino animal: os passarinhos. 
     
9. Nem pelo turfe, onde rola uma dinheirama e desfilam esplendorosas mulheres, me entusiasmei. Não conheço um só hipódromo; nem o da Gávea. Vi-o, por acaso, do alto do Corcovado. E não me animei a visitá-lo. 
     
10. Sou até um cavaleiro frustrado. Na minha juventude, vivi uma experiência desagradável, como vaqueiro improvisado. Num dado inverno, vesti um gibão de couro, e nas matas da fazenda Morada Nova, no interior do Ceará, saí em perseguição a uma vaca recém-parida.
     
11. Apesar de montar um cavalo afeito às grandes vaquejadas, deixei a vaca Marola fugir e desaparecer no denso matagal. Durante horas, fiquei perdido na caatinga, onde predominava a unha de gato, um arbusto perfurante e hostil.  
     
12. Ao invés do um aboio, o que se ouvia, quebrando o silêncio de uma nublada tarde sertaneja, era o meu grito pedindo socorro.
     
13. Um vaqueiro, que passava na vereda mais próxima, pouco antes de anoitecer, tirou-me da enrascada em que me metera, querendo ser vaqueiro. Tão apavorado fiquei, que nem notei que estava a poucos minutos do curral da fazenda.
     
14. Agora, a minha resposta. Como Rachel, que, como disse, não queria seu nome sem o ch, também exijo o meu, com e: Felipe e não Filipe. 
É assim que meu nome está no meu batistério; na minha certidão de nascimento; na minha carteira da Ordem dos Advogados do Brasil; no meu cadastro de pessoa física - CPF; na minha carteira de motorista, e no meu título de eleitor, arquivado - graças a Deus - desde que festejei meus 70 anos. Espero que meu nome não perca o e nem na minha certidão de óbito.
     
15. Mas, afinal, que interesse pode despertar uma crônica como esta; que rabisquei num final de noite, com os olhos e as mãos já bem cansados? Nenhum, com certeza. Por conseguinte, só pode ser coisa de gente que não tem o que escrever. Por tê-la publicado, peço desculpas ao meu distinto leitor.



 
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 21/09/2006
Reeditado em 05/10/2019
Código do texto: T245884
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