Amantes
"Não se afobe, não, que nada é pra já
O amor não tem pressa, ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário; na posta-restante
Milênios, milênios, no ar
E quem sabe, então, o Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas, sua alma, desvãos
Sábios em vão tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas, mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização
Não se afobe, não, que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, quiçá se amarão sem saber
Com o amor que um dia deixei pra você."
Futuros Amantes(Chico Buarque)
A primeira impressão que normalmente se tem desta linda canção de Chico Buarque, é que se trata uma canção de amor otimista em relação a amores difíceis. O primeiro verso é o mais popular: "Não se afobe, não, que nada é pra já...". Este verso, isoladamente, sugere a possibilidade de um encontro futuro entre duas pessoas apaixonadas. Estaria então o cantador pedindo, em tom esperançoso, que haja paciência. Mas logo depois vê-se que o que está sendo relatado na canção não é um caso de amor resolvido, ou que se possa resolver. Dizer-se que um amor pode esperar em um fundo de armário, materializado em foto, carta ou poema, não é propriamente pessimista. O pessimismo esmagador vem, sim, quando se fala do tal futuro onde poderá ser finalmente encontrado este amor guardado: para nossa surpresa, um futuro geológico. Um futuro onde o Rio de Janeiro poderá estar submerso em águas. Um lugar visitado por exploradores submarinos, que poderão, casualmente, encontrar os registros do referido amor e transforma-los em objetos de estudo arqueológico de uma civilização extinta: a "civilização carioca". Mas fica a expectativa, metafísica, de que ainda assim o amor sobreviva e seja usado por amantes do futuro – como se o amor fosse algum tipo de ferramenta (material, energética ou cultural).
A canção é, portanto, a última canção que deve ser usada por amantes que queiram, um dia, realizarem-se em seu amor. É de fazer lágrimas irromperem. Mesmo.
Lembro com alegria de como amantes reais que um dia conheci "viajavam" ao fazer suas análises sobre livros, poemas, filmes, canções. A arte ganhava, entre eles dois, uma ternura que a acrescentava poder. Este mesmo poder que nutria a arte, lhes voltava também em forma de energia. Eles alimentavam a arte e a arte os alimentava.
Seu primeiro encontro relevante foi no colégio, durante o intervalo entre aulas. Eles conversavam sobre literatura – em especial o romance "A Insustentável Leveza do Ser" de Milan Kundera. Ali nascia um relacionamento bastante profundo. Tão profundo que eles chorariam se pensassem na hipótese de um dia tudo o que viveram – que foi pouco, mas enorme para amantes – tivesse de ficar confinado no fundo de uma gaveta, ou em outros ambientes de difícil exploração: como à margem de casamentos bem sucedidos com outras pessoas.
Certo dia, quando seus pés tocavam as areias à beira-mar, a moça pensou: "isto parece um sonho bom. Sinto-me mulher neste momento. Estou passeando ao lado do primeiro homem que amei. E esta cidade é uma moldura para nosso amor". Isto foi, mais provavelmente, em l993. Era o ano em que Chico lançava o seu disco "Paratodos". Uma das faixas do disco era justamente "Futuros Amantes" e ela ainda não conhecia a canção, pois apenas a faixa-título tocava no rádio. Ele também não conhecia. Mas um fato é certo: se pudessem ouvir a música enquanto andavam descalços na praia – como num vídeo-clip em tempo real – eles iriam chorar.