Magna Peccatrix
Vez ou outra recebo a pergunta "Por que você gosta de conversar tanto disso e daquilo?". Normalmente, respondo que nunca me satisfaço com o que sei a respeito de qualquer que seja o assunto. Mesmo durante a maior parte de minhas atividades profissionais, ligadas à química do petróleo ('Yes! I like alchemy!'), sempre estive insatisfeito com o que aprendia e sempre desejei mais, cada vez mais (embora não precisasse de tanto para desenvolver eficientemente (dizem!) minhas funções técnicas). Quando me perguntam e eu respondo o que li e leio, o que 'cursei' e 'curso', algumas pessoas duvidam (com razão até, acho), mas minha mãe muito tem de responsabilidade nisso. De fato, nesses meus 52 anos de leitor dentre os meus 57 anos de idade, muito questionei, absorvi, rejeitei e revi, desde ciências a religiões. Minha mãe entra nessa história (precocemente) pois meu pai (diz ele) não aguentava mais responder minhas perguntas quando eu contava 4 anos de idade ("Lá vem o senhor porquê!", dizia ele) e minha mãe (leitora desde tenra idade, até porque trabalhou em jornal a partir dos 14 anos) também 'ficava desesperada' com os textos de revistas e jornais que eu pedia a ela ler pra mim. Assim, aos 5 anos de idade eu já lia (muito) e escrevia (nem tanto). Evidente que a 'área de pesquisa' ficou restrita no primeiro momento aos 'quadrinhos' (como se chamavam as 'tiras de jornais'), como Pinduca, o Reizinho, os Sobrinhos do Capitão etc). Mas, vizinha à minha casa existia um 'tesouro' a ser explorado. Dentre minhas traquinagens que envolviam quedas de árvores frutíferas (lembremos que eram outros tempos, outras chácaras, outros quintais) ou outras (a sorte prevaleceu e nenhum osso, para espanto de familiares e médicos, se rompeu até hoje, pelo menos - porque venho até fugindo de escadas ultimamente...). Dizia que havia um 'tesouro' e era exatamente a biblioteca de meu tio-avô Lino. Homem de ampla cultura e educação, meu tio-avô Lino preservava uma biblioteca imensa em sua casa e pelo menos uma vez por mês a reabastecia com um novo livro, coisa que eu observava com desejo. Porém, havia um muro muito alto separando as casas e qualquer avanço meu naquela região do 'mapa' seria considerado 'ilegal'. Mas, certa tarde de um dia chuvoso, trepei no telhado de minha casa (coisa comum minhas 'macaquices', como diziam algumas vizinhas, mas que se utilizavam de meus préstimos para colher abacates e outras iguarias em suas chácaras, dada a minha agilidade). Do telhado, subi numa pequena marquise de laje leve que havia sobre a porta da sala, me equilibrei no alto muro, subi pela outra pequena marquise e deslizei suavemente pela calha, desde o telhado da casa de meu tio-avô. Essa parte havia sido simples, apesar do coração disparado. Já no quintal, subi até a janela da sala de livros de meu tio-avô, levantei o 'vitraux' e pimba, estava dentro daquele salão nobre. Minha tia-avó Regina, nessas alturas do tempo (eu sabia!) estava na cozinha, do outro lado da sala, envolvida com o preparo do jantar (a distância, entre cozinha e sala era enorme àquela época). Isso me deixou tranquilo para observar aquelas 'jóias' perfiladas, mais em tons escuros de marrom, verde, azul e carmim, dispostas à minha frente, ao meu alcance. Meu coração ia num ritmo descompassado, até então desconhecido. Tantos livros, de variados tamanhos (mas a maioria grandes) me deixaram por alguns momentos em dispersão até que, um pequeno livro de capa verde, não tão escura quanto as outras me chamou a atenção: 'Magna Peccatrix' exibia sua lombada. Meu padrinho, tio-Francisco, douto, havia me iniciado no latim (na verdade havia muito - e ainda há - a ser aprendido) mas eu sabia exatamente o significado do título. "Era esse!" disse-me. Porém, havia um problema: estava localizado numa prateleira que eu não conseguiria alcançar com meu parco tamanho. Olhei ao redor, uma daquelas cadeiras de espaldar alto, ventiladas, poderia ser movida de encontro à prateleira. Procurei arrastar uma delas, o mais suave possível pois, apesar do ruído da chuva, o peso daqueles móveis era muito maior do que os de hoje em dia. Feito isso, subi á cadeira e nela me ergui até o espaldar. Pus minha mão esquerda sobre o livro (àquela altura eu era ainda só canhoto - não havia levado cascudos ainda para aprender a usar a mão direita) e movi o livro ao meu encontro. A felicidade foi tanta que desabei 'segurando no ar' com o livro esvoaçando junto comigo. Aquilo foi um terror" O barulho pareceu ter disparado os 'alarmes' tanto de minha tia-avó (na casa dela), quanto de minha mãe (em minha casa). Foi um 'burburinho'! Enquanto tentava me refazer, peguei o livro (que havia soltado algumas folhas), e em confusão pensava em recolocá-lo o mais rápido possível no lugar dele. Mas qual o quê! Pego 'com a mão na massa', ainda com as costas alquebradas, as duas mulheres estavam diante de mim num instante, observando-me com um 'olhar que dizia muito'. Entre "o que é que você está fazendo aqui, moleque?", "safado!" e a concordância de olhar entre elas ao verem o título do livro, tomei uns safanões nas orelhas, seguidamente. Escorraçado dali, me vi debaixo da chuva, enquanto minha mãe me seguia a passos rápidos. Fugi para o telhado. Minha mãe me prometeu que quando eu descesse "o pau vai comer na casa de Noca!" e "quando seu pai chegar você vai pagar, seu moleque!". Fiquei no telhado, mas encoberto pelo encosto da marquise. A chuva passou. De lá do alto eu pude observar a fala pausada, mas firme de minha mãe apontando para mim lá em cima, quando meu pai chegou. Meu pai ordenou: "desce já daí, menino!" e eu, com 6 anos de idade, pequei 'desonrando pai e mãe' (o padre me disse na confissão obrigatória) pela primeira vez na vida, porque eu disse "Não!". Aquilo tudo virou um 'fuzuê dos diabos'. Meu pai disse que quando eu descesse ele iria me "tratar" conforme o "tempo demorado". Era uma ameaça dura, eu sabia, porque meu pai nunca dissera nada que não fizesse. O medo me paralisou por alguns instantes. À essa altura, era um tal de "desce menino!" que se repetia sem cessar a meu ver. Considerei que já havia ultrapassado uma barreira e o que acontecesse seria até justo. Comecei a delizar pela calha (era metálica, bem firme, daquelas que não existem mais), nesse momento meu pai entrou e saiu da cozinha com o 'cinturão de acerto de contas'. Eu já pressentia as lambadas, poucas, mas agudas, nas nádegas. Mas, eis que surge um 'cavaleiro salvador'. Nesse momento, adentra meu quintal meu tio-avô Lino (já sabedor dos fatos através de minha tia-avó) que brada "Calma senhor Arminio!... o menino só quer aprender!"... Meu pai contra-argumentou que não se poderia permitir indisciplina naquela casa. Depois já não ouvi mais nada do que diziam (cochichavam) enquanto já estava de pé diante de minha mãe na porta da sala. Também não conseguiria ouvir por algum tempo, pois um safanão dela na minha orelha, deixou-me um tanto surdo momentaneamente. A seguir, muito provavelmente para manter a 'lei e justiça' e 'toda a ordem' voltasse a reinar, ouvi meu pai dizer "Você, nunca mais deixe de me obedecer, viu menino!... quando eu mandar você descer, você desce!" (não foi o que ocorreu, porque já cheguei, posteriormente, a esperar escurecer para sair do telhado, de outras feitas, mas isso são outras histórias). Ato contínuo, brandiu o cinturão em minhas coxas (uma vez só...hehehehe - considerei, apesar da dor) e retirou-se para dentro de casa. Meu tio-avô passou por mim em direção ao portão, com um olhar cúmplice. Minha mãe mandou-me ir correndo tomar banho e "largar a mão de ser besta". Fui compreender o olhar de meu tio-avô Lino quando percebi, depois, que ele passou a deixar destrancada a porta da sua biblioteca, o que me serviu durante muitos anos.
(Tenho esse livro comigo, que ficou-me de herança e é-me um tesouro ainda. Embora a capa esteja desgastada pelo tempo, o livro está conservado. Como se pode observar na imagem, trata-se de um romance da 'Baroneza Anna Von Krane' acerca da vida de Maria de Magdala (Madalena) e seu lindo relacionamento com Jesus de Nazaré, principalmente. É uma edição de 1919, da "Typgraphia das Vozes de Petropolis". dos quais destaco algumas 'frases soltas', copiadas por mim, há tão longo tempo:
- Num deslumbramento de luz (...) o frescor dos grandes chafarizes de mármore (...) a solidão perfumada das aléas (...) de uma melodia suave e tênue (...) descendo do invisível do céu (...) melancolia de canções gregas (...) espetáculo digno dos deuses a sua dança (...) deixar luzi entre nós o sol radiante de sua presença (...) as onda áureas de seus cabelos soltos (...) porque se ofusca hoje a estrela (...) ofegando baixinho com os olhos semi-cerrados (...) desde quando tem febre e delira? (...) com voz lenta de indizível doçura (...) o sabor da tua voz, um canto que deleita (...) O que queres? O que tencionas obter? Um colar de safira? Um vestido de púrpura bordado a péroloas? O que queres? Caprichos saciados? (...) Com os olhos no vácuo murmurava baixinho (...) Dize a verdade, fazendo-a sair inteira de teus lábios (...) A água da vida prometida à samaritana (...) Lançou um olhar apenas e vagarosamente seguiu (...) Um olhar tão manso, tão triste, tão benigno e docemente indagador (...) que penetra até a medula (...) Que água deve ser a que ele distribui ? (...) Esta vida não é, não pode ser verdadeira! (...) Deve haver outra, mais livre... (...) Tu traduzes ritmicamente os sentimentos da alma caminhando sobre carvões incandescentes (...) A beleza resplandescente que comovia (...) com sorriso altivo e benévolo de uma rainha recebendo hóspedes, dando boas vinds (...) O vazio das conversações que burburinham em torno (...) a irrisória falsidade daquela vida barulhenta e vã aparece em toda a sua desoladora inutilidade (...) ressaltando aos olhos abertos numa luz implacável e reveladora (...) O tormento de uma alma (...) na pompa cintilante de suas vestes parecia um vivo raio de luar (...) A noite, mãe de treva e irmã da morte, seu negro manto estende (...) Longínquo vai, do sol fulgente e forte (...) a auréola que resplende (...) Longínquio o belo dia radiante (...) E minh'alma que sofre a soluçar (...) Envolve-se também, de mim distante (...) Em um manto de luto e de pesar (...) como a tristeza do gozo insaciado (...) uma tristeza ardente de lava (...) que faz estremecer de angústia (...) Os olhos daqueles dois bebiam-se, penetravam-se, arrancavam-se silenciosamente o que os lábios calavam e compreendiam-se, sem que uma só palavra fosse por eles pronunciadas (...) entonações sardônicas que corroíam como um ácido (...) e o vento que ia-lhe de encontro dava-lhe ordens. ) Valeu a pena!
Vez ou outra recebo a pergunta "Por que você gosta de conversar tanto disso e daquilo?". Normalmente, respondo que nunca me satisfaço com o que sei a respeito de qualquer que seja o assunto. Mesmo durante a maior parte de minhas atividades profissionais, ligadas à química do petróleo ('Yes! I like alchemy!'), sempre estive insatisfeito com o que aprendia e sempre desejei mais, cada vez mais (embora não precisasse de tanto para desenvolver eficientemente (dizem!) minhas funções técnicas). Quando me perguntam e eu respondo o que li e leio, o que 'cursei' e 'curso', algumas pessoas duvidam (com razão até, acho), mas minha mãe muito tem de responsabilidade nisso. De fato, nesses meus 52 anos de leitor dentre os meus 57 anos de idade, muito questionei, absorvi, rejeitei e revi, desde ciências a religiões. Minha mãe entra nessa história (precocemente) pois meu pai (diz ele) não aguentava mais responder minhas perguntas quando eu contava 4 anos de idade ("Lá vem o senhor porquê!", dizia ele) e minha mãe (leitora desde tenra idade, até porque trabalhou em jornal a partir dos 14 anos) também 'ficava desesperada' com os textos de revistas e jornais que eu pedia a ela ler pra mim. Assim, aos 5 anos de idade eu já lia (muito) e escrevia (nem tanto). Evidente que a 'área de pesquisa' ficou restrita no primeiro momento aos 'quadrinhos' (como se chamavam as 'tiras de jornais'), como Pinduca, o Reizinho, os Sobrinhos do Capitão etc). Mas, vizinha à minha casa existia um 'tesouro' a ser explorado. Dentre minhas traquinagens que envolviam quedas de árvores frutíferas (lembremos que eram outros tempos, outras chácaras, outros quintais) ou outras (a sorte prevaleceu e nenhum osso, para espanto de familiares e médicos, se rompeu até hoje, pelo menos - porque venho até fugindo de escadas ultimamente...). Dizia que havia um 'tesouro' e era exatamente a biblioteca de meu tio-avô Lino. Homem de ampla cultura e educação, meu tio-avô Lino preservava uma biblioteca imensa em sua casa e pelo menos uma vez por mês a reabastecia com um novo livro, coisa que eu observava com desejo. Porém, havia um muro muito alto separando as casas e qualquer avanço meu naquela região do 'mapa' seria considerado 'ilegal'. Mas, certa tarde de um dia chuvoso, trepei no telhado de minha casa (coisa comum minhas 'macaquices', como diziam algumas vizinhas, mas que se utilizavam de meus préstimos para colher abacates e outras iguarias em suas chácaras, dada a minha agilidade). Do telhado, subi numa pequena marquise de laje leve que havia sobre a porta da sala, me equilibrei no alto muro, subi pela outra pequena marquise e deslizei suavemente pela calha, desde o telhado da casa de meu tio-avô. Essa parte havia sido simples, apesar do coração disparado. Já no quintal, subi até a janela da sala de livros de meu tio-avô, levantei o 'vitraux' e pimba, estava dentro daquele salão nobre. Minha tia-avó Regina, nessas alturas do tempo (eu sabia!) estava na cozinha, do outro lado da sala, envolvida com o preparo do jantar (a distância, entre cozinha e sala era enorme àquela época). Isso me deixou tranquilo para observar aquelas 'jóias' perfiladas, mais em tons escuros de marrom, verde, azul e carmim, dispostas à minha frente, ao meu alcance. Meu coração ia num ritmo descompassado, até então desconhecido. Tantos livros, de variados tamanhos (mas a maioria grandes) me deixaram por alguns momentos em dispersão até que, um pequeno livro de capa verde, não tão escura quanto as outras me chamou a atenção: 'Magna Peccatrix' exibia sua lombada. Meu padrinho, tio-Francisco, douto, havia me iniciado no latim (na verdade havia muito - e ainda há - a ser aprendido) mas eu sabia exatamente o significado do título. "Era esse!" disse-me. Porém, havia um problema: estava localizado numa prateleira que eu não conseguiria alcançar com meu parco tamanho. Olhei ao redor, uma daquelas cadeiras de espaldar alto, ventiladas, poderia ser movida de encontro à prateleira. Procurei arrastar uma delas, o mais suave possível pois, apesar do ruído da chuva, o peso daqueles móveis era muito maior do que os de hoje em dia. Feito isso, subi á cadeira e nela me ergui até o espaldar. Pus minha mão esquerda sobre o livro (àquela altura eu era ainda só canhoto - não havia levado cascudos ainda para aprender a usar a mão direita) e movi o livro ao meu encontro. A felicidade foi tanta que desabei 'segurando no ar' com o livro esvoaçando junto comigo. Aquilo foi um terror" O barulho pareceu ter disparado os 'alarmes' tanto de minha tia-avó (na casa dela), quanto de minha mãe (em minha casa). Foi um 'burburinho'! Enquanto tentava me refazer, peguei o livro (que havia soltado algumas folhas), e em confusão pensava em recolocá-lo o mais rápido possível no lugar dele. Mas qual o quê! Pego 'com a mão na massa', ainda com as costas alquebradas, as duas mulheres estavam diante de mim num instante, observando-me com um 'olhar que dizia muito'. Entre "o que é que você está fazendo aqui, moleque?", "safado!" e a concordância de olhar entre elas ao verem o título do livro, tomei uns safanões nas orelhas, seguidamente. Escorraçado dali, me vi debaixo da chuva, enquanto minha mãe me seguia a passos rápidos. Fugi para o telhado. Minha mãe me prometeu que quando eu descesse "o pau vai comer na casa de Noca!" e "quando seu pai chegar você vai pagar, seu moleque!". Fiquei no telhado, mas encoberto pelo encosto da marquise. A chuva passou. De lá do alto eu pude observar a fala pausada, mas firme de minha mãe apontando para mim lá em cima, quando meu pai chegou. Meu pai ordenou: "desce já daí, menino!" e eu, com 6 anos de idade, pequei 'desonrando pai e mãe' (o padre me disse na confissão obrigatória) pela primeira vez na vida, porque eu disse "Não!". Aquilo tudo virou um 'fuzuê dos diabos'. Meu pai disse que quando eu descesse ele iria me "tratar" conforme o "tempo demorado". Era uma ameaça dura, eu sabia, porque meu pai nunca dissera nada que não fizesse. O medo me paralisou por alguns instantes. À essa altura, era um tal de "desce menino!" que se repetia sem cessar a meu ver. Considerei que já havia ultrapassado uma barreira e o que acontecesse seria até justo. Comecei a delizar pela calha (era metálica, bem firme, daquelas que não existem mais), nesse momento meu pai entrou e saiu da cozinha com o 'cinturão de acerto de contas'. Eu já pressentia as lambadas, poucas, mas agudas, nas nádegas. Mas, eis que surge um 'cavaleiro salvador'. Nesse momento, adentra meu quintal meu tio-avô Lino (já sabedor dos fatos através de minha tia-avó) que brada "Calma senhor Arminio!... o menino só quer aprender!"... Meu pai contra-argumentou que não se poderia permitir indisciplina naquela casa. Depois já não ouvi mais nada do que diziam (cochichavam) enquanto já estava de pé diante de minha mãe na porta da sala. Também não conseguiria ouvir por algum tempo, pois um safanão dela na minha orelha, deixou-me um tanto surdo momentaneamente. A seguir, muito provavelmente para manter a 'lei e justiça' e 'toda a ordem' voltasse a reinar, ouvi meu pai dizer "Você, nunca mais deixe de me obedecer, viu menino!... quando eu mandar você descer, você desce!" (não foi o que ocorreu, porque já cheguei, posteriormente, a esperar escurecer para sair do telhado, de outras feitas, mas isso são outras histórias). Ato contínuo, brandiu o cinturão em minhas coxas (uma vez só...hehehehe - considerei, apesar da dor) e retirou-se para dentro de casa. Meu tio-avô passou por mim em direção ao portão, com um olhar cúmplice. Minha mãe mandou-me ir correndo tomar banho e "largar a mão de ser besta". Fui compreender o olhar de meu tio-avô Lino quando percebi, depois, que ele passou a deixar destrancada a porta da sua biblioteca, o que me serviu durante muitos anos.
(Tenho esse livro comigo, que ficou-me de herança e é-me um tesouro ainda. Embora a capa esteja desgastada pelo tempo, o livro está conservado. Como se pode observar na imagem, trata-se de um romance da 'Baroneza Anna Von Krane' acerca da vida de Maria de Magdala (Madalena) e seu lindo relacionamento com Jesus de Nazaré, principalmente. É uma edição de 1919, da "Typgraphia das Vozes de Petropolis". dos quais destaco algumas 'frases soltas', copiadas por mim, há tão longo tempo:
- Num deslumbramento de luz (...) o frescor dos grandes chafarizes de mármore (...) a solidão perfumada das aléas (...) de uma melodia suave e tênue (...) descendo do invisível do céu (...) melancolia de canções gregas (...) espetáculo digno dos deuses a sua dança (...) deixar luzi entre nós o sol radiante de sua presença (...) as onda áureas de seus cabelos soltos (...) porque se ofusca hoje a estrela (...) ofegando baixinho com os olhos semi-cerrados (...) desde quando tem febre e delira? (...) com voz lenta de indizível doçura (...) o sabor da tua voz, um canto que deleita (...) O que queres? O que tencionas obter? Um colar de safira? Um vestido de púrpura bordado a péroloas? O que queres? Caprichos saciados? (...) Com os olhos no vácuo murmurava baixinho (...) Dize a verdade, fazendo-a sair inteira de teus lábios (...) A água da vida prometida à samaritana (...) Lançou um olhar apenas e vagarosamente seguiu (...) Um olhar tão manso, tão triste, tão benigno e docemente indagador (...) que penetra até a medula (...) Que água deve ser a que ele distribui ? (...) Esta vida não é, não pode ser verdadeira! (...) Deve haver outra, mais livre... (...) Tu traduzes ritmicamente os sentimentos da alma caminhando sobre carvões incandescentes (...) A beleza resplandescente que comovia (...) com sorriso altivo e benévolo de uma rainha recebendo hóspedes, dando boas vinds (...) O vazio das conversações que burburinham em torno (...) a irrisória falsidade daquela vida barulhenta e vã aparece em toda a sua desoladora inutilidade (...) ressaltando aos olhos abertos numa luz implacável e reveladora (...) O tormento de uma alma (...) na pompa cintilante de suas vestes parecia um vivo raio de luar (...) A noite, mãe de treva e irmã da morte, seu negro manto estende (...) Longínquo vai, do sol fulgente e forte (...) a auréola que resplende (...) Longínquio o belo dia radiante (...) E minh'alma que sofre a soluçar (...) Envolve-se também, de mim distante (...) Em um manto de luto e de pesar (...) como a tristeza do gozo insaciado (...) uma tristeza ardente de lava (...) que faz estremecer de angústia (...) Os olhos daqueles dois bebiam-se, penetravam-se, arrancavam-se silenciosamente o que os lábios calavam e compreendiam-se, sem que uma só palavra fosse por eles pronunciadas (...) entonações sardônicas que corroíam como um ácido (...) e o vento que ia-lhe de encontro dava-lhe ordens. ) Valeu a pena!