PREGUIÇA MENTAL

Dizem que a “lei do menor esforço” é a mais humana e fisiológica de todas as leis já inventadas pelo homem. O sujeito vai à repartição pública e topa com três lances de escada pela frente. Ao invés de subir, aproveitando a ocasião até pra exercitar o esqueleto, o preguiçoso procura o elevador ou a escada rolante.

Eu até concordo em parte, mas como sou impaciente por natureza e não gosto de esperar, prefiro dar trabalho às pernas, articulações, músculos e outros membros do corpo e encaro, numa boa, os degraus duma escada. Às vezes pego uma escada rolante e, mesmo nela, vou galgando os degraus e assim chego na frente de todos os outros.

Minha mulher diz que sou agoniado, amigos já me chamaram de “desensofrido”, enfim, eu não estou nem aí pra essa mania de mineiro botar apelido ou adjetivo em tudo.

Por outro lado, existe o que chamo de “preguiça mental”. É quando a pessoa se nega a raciocinar, mexendo com seus neurônios. Fica abestalhada, presta atenção em detalhes desimportantes e não se fixa no principal, no objetivo da sua busca ou consulta.

Hoje cedo, por exemplo, lá vou eu a bordo do 8102, o busão que passa defronte ao meu prédio e me leva ao centro de Belô, cortando a Avenida Afonso Pena e subindo a Rua da Bahia, tão cantada em prosa e verso pelos poetas mineiros (Fernando Sabino, Carlos Drummond de Andrade, o compositor Rômulo Paes e outros). Como síndico do prédio onde moro, fui resolver uns abacaxis junto à Prefeitura Municipal.

Estou sentado tranqüilo num banco da frente, junto à janela, no espaço destinado aos idosos e vou curtindo a paisagem citadina. O ônibus sobe a Avenida Cristiano Machado e vai parando nos pontos diversos. Àquela hora o movimento da cidade é tranqüilo, já passou o afogadilho das oito horas, quando todo mundo se destina ao trabalho nas lojas, nos bancos, nos escritórios.

Atrás do meu banco viaja uma senhora bem mais nova. Ela deixa cair um envelope pardo, grande, o bicho escorrega por debaixo do meu banco e pousa aos meus pés. Abaixo-me, recolho o envelope, viro e entrego à senhora que agradece e vamos prosseguindo na viagem. Quando o ônibus vira na Rua Itajubá, na Floresta, descendo a Avenida do Contorno para a Praça da Estação, a dona se ergue e reclama da moça trocadora:-

“- Espera aí, mas esse ônibus não vai pra Região Hospitalar, ali na Santa Casa?”

“- Ah, não, minha senhora! O que passa lá é o 8150 e este é 8102.”

“- Uai, mas este é amarelo como o 8150, por isso foi que embarquei.”

“- Ah, minha senhora, mas a gente não pega ônibus pela cor, não!” – goza o motorista.

“- Mas eu tou acostumada a tomar o amarelo, não vejo o letreiro! ...”

E o motorista, rindo irônicamente:-

“- A empresa às vezes precisa dum carro pra suprir a frota e não quer saber se ele é azul ou amarelo, sabe, dona? Acerta o letreiro e bota na linha, uai! ... O passageiro é que deve prestar atenção e ler a placa, conferindo o seu destino.”

“- Mas como eu faço pra chegar lá na Santa Casa?! ...”, preocupava-se a mulher. Foi aí que entrei na conversa, resolvido a acabar com aquele interrogatório:-

“- Dona, a senhora desce no próximo ponto, atravessa a Rua dos Caetés e espera o ônibus 9801/Santa Cruz-Saudade, ok? Êle é azul, não é amarelo, mas isso é apenas um detalhe. Convém atentar para o letreiro frontal do carro ou nas laterais, tá certo? A senhora vai chegar lá. Vai na paz de Deus.”

B.Hte., 24/08/10 -o-o-o-o-o-

RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 24/08/2010
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