Servindo Decepções
[crônica publicada no Caderno Mulher Interativa - Jornal Agora - RS]
Bonito, simpático, loiro de olhos azuis... E além de tudo, o gringo cozinha como ninguém! Ai, ai... Quem é o bom partido? Jamie Oliver, o americano que arranca suspiros em seus programas culinários (apresentados no Brasil pelo canal GNT). Não é a primeira vez que seu nome recheia as crônicas desta autora (ele é mesmo o moço dos aspargos, lembra? na crônica "Receita de sucesso...", publicada, no Mulher, em maio deste ano), mas desta vez o suspiro é outro! Ai, ai... Jamie... Algo não caiu bem.
No criativo programa sobre suinocultura, que mesclou a culinária a pretensões educativas, o famoso chef errou a mão, acertando em cheio a prateleira de princípios dos telespectadores de bom gosto. Ao que tudo indica, em alguns lugares o bom senso é tempero caro, em outros, raro e no programa em questão, em falta! É a prova de que não basta ter em mãos uma boa receita, é preciso acertar a dose e nunca, jamais dispensar uma boa apresentação.
A ideia era boa: um programa de auditório, apresentando ao público - entre eles, criadores, consumidores e zootecnistas - todo o processo de produção suína, desde a criação das fêmeas prenhas, passando pelo nascimento dos porquinhos, manutenção em cativeiro, abate e formas de apresentação da carne no mercado - culminando na elaboração de algumas receitas, é claro. O propósito, ótimo: mostrar à comunidade inglesa as leis que haviam acabado de entrar em vigor, visando melhorar a qualidade e expectativa de vidas dos porcos criados para consumo. Até aí, tudo bem - questão de ética e informação - assiste quem tem interesse pelo assunto. Mas a execução... Meu querido Jamie, que vergonha! Passou do ponto!
Num momento, havia no palco uma fêmea dando a luz, oprimida não apenas pelo cercado que lhe limitava todo e qualquer movimento, mas também pela plateia, câmeras e toda a parafernália televisiva. Pouco depois, um porquinho, ainda indefeso e totalmente desavisado, tinha suas pequenas e rosadas partes mutiladas, conforme manda o manual da criação. E no decorrer deste infame programa, porcas foram inseminadas por pessoas despreparadas, porcos foram... Como dizer... "sutilmente induzidos" a doar esperma para tal inseminação, também por mãos despreparadas, mas devidamente protegidas por luvas. E para completar o cardápio um telão elucidou a inteligência de outros porcos, criados como animais domésticos, vestindo roupas e tocando instrumentos musicais, numa vida que, apesar de desrespeitada, era de rei, se comparada aos seus colegas de programa. Ah, não esquecendo, é claro, o grand finale: o abate - "sem cortes", de edição.
Para fechar com chave de ouro, enquanto o último exemplar suíno terminava sua participação nesta existência, o apresentador ao seu lado anunciava alegremente qual seria o prato ensinado a seguir e executado, por ele, naquele mesmo palco onde, minutos antes, tudo havia começado... E tudo acompanhado atentamente por uma plateia cujo senso de diversão parecia um tanto distorcido, para não dizer, preocupante! Se havia alguma dúvida em relação a isso, a degustação da carne, recém temperada, oferecida a "horda bárbara", foi uma cena de revoltar, não apenas a estômagos e não necessariamente vegetarianos: não é ser um desses para abominar o desrespeito ali servido.
Ai, ai... Jamie, que vergonha! Depois de uma decepção dessas, só me resta romper nossa tão antiga relação. E se me perdoa a falta de educação, deixo agora a tua mesa, assumindo o controle e levando comigo essa lembrança, tão amarga e ácida, que será gradualmente diluída enquanto troco de canal, sem voltar atrás! Sinto muito, mas a mim, você não serve mais.