A Velha Luta
E toca o sino, insistentemente. A velha luta começa.
No meu ringue, em um canto, estou eu, cansado, exausto na verdade, com olheiras e luvas que pesam uma tonelada. No outro canto esta minha adversária, aquela que todos os dias, nesse mesmo horário, vem pra cima de mim com tudo e, normalmente, me nocauteia. São dois ringues, quando toca esse maldito sino: o meu e o de minha companheira. Eu posso vê-la ao lado, a sua luta já começou. Ela sempre começa essa luta primeiro, até porque sua adversária é relativamente maior do que a minha. Me distraio vendo os movimentos suaves, embora tão cansados quanto os meus, de minha parceira. Ela esquiva de um soco, esquiva de outro, mas OUCH, ela acaba recebendo um golpe.
Idiota, distraído, tenho a boca do estomago acertada em cheio por um golpe surpresa da minha adversária. Dou três passos para trás, tento defender um dos golpes, mas meus braços e pernas estão pesados demais. É sempre assim.
Com o canto do olho cuido a luta da minha parceira, nem tanto por preocupação, mas por uma curiosidade quase mórbida. Ela costuma cair entre os dois primeiros tempos em que o sino toca, eu costumo aguentar mais. Isso, porque tenho a cabeça mais dura, não por ser mais forte na batalha. E, bem, é o que acontece. Minha parceira cai antes mesmo de o próximo sino tocar. Vejo a adversária dela comemorar, antes do holofote que ilumina o seu ringue apagar e eu ficar sozinho, com a minha rival.
Recebo dois ganchos no queixo, cambaleio e me recolho para meu canto. Tenho mais cinco minutinhos antes de o sino tocar novamente. E esses minutinhos voam como segundos, pois logo mais eu ouço o despertar do sino. Levanto-me e vou encarar minha adversária. Ela é ágil e forte, eu sei que não vou resistir por muito tempo. Talvez não dure nem até o terceiro soar da sineta. Defendo uma série de golpes dela, golpeio-a também, mas é inútil. Chega o momento em que ela desfere o golpe de misericórdia e eu caio no chão. É nocaute. O mundo se apaga, ou talvez tenha sido só o holofote do ringue.
Abro meus olhos novamente, a tempo de ver minha parceira, só de jeans, escolhendo a camisa que usará no trabalho. Ela percebe que eu perdi a luta, e sorri, com aquele ar cansado de quem acabou de acordar – Bom dia, campeão. Estou quase atrasada, vai ter que tomar café da manhã sozinho de novo. Tenho tanta coisa pra fazer, hoje... – e vai para o banheiro se maquiar.
Com esforço, me sento na cama, esfregando os olhos. O despertador toca pela terceira vez e eu finalmente o desligo. Levanto, com o corpo dolorido por conta da luta, e me espreguiço. Vai ser um longo dia, pra mim também. Coloco a calça e o cinto, que nem de longe é de um campeão dos ringues. Coço as costas e chego no banheiro a tempo de dar um beijo de despedida no pescoço da minha parceira, quase um prêmio de consolação por ela também ter perdido a luta.
Ah, essas lutas completamente injustas.Durante cinco dias da semana, a adversária é sempre mais forte do que eu, quase que completamente invencível. Só consigo vencer essas lutas aos sábados e domingos, e, como cada ser humano no mundo, isso tem que me bastar. Afinal, quem não luta contra suas responsabilidades, toda manhã, antes de levantar?