CAPÍTULO XIX - Diário Poético-Sentimental de Uma Greve: Curiosidades, Emoções e Poesia na Greve do Judiciário Trabalhista Mineiro

A noite desceu. Que noite!

Já não enxergo meus irmãos.

E nem tão pouco os rumores que outrora me perturbavam.

A noite desceu.

Nas casas, nas ruas onde se combate,

nos campos desfalecidos, a noite espalhou o medo e a total incompreensão.

A noite caiu. Tremenda, sem esperança...

Os suspiros acusam a presença negra que paralisa os guerreiros.

E o amor não abre caminho na noite.

A noite é mortal, completa, sem reticências,

a noite dissolve os homens, diz que é inútil sofrer,

a noite dissolve as pátrias, apagou os almirantes cintilantes! nas suas fardas.

A noite anoiteceu tudo... O mundo não tem remédio...

Os suicidas tinham razão.

Aurora, entretanto eu te diviso,

ainda tímida, inexperiente das luzes que vais ascender

e dos bens que repartirás com todos os homens.

Sob o úmido véu de raivas, queixas e humilhações,

adivinho-te que sobes,

vapor róseo, expulsando a treva noturna.

O triste mundo fascista se decompõe ao contato de teus dedos,

teus dedos frios, que ainda se não modelaram mas que avançam na escuridão

como um sinal verde e peremptório.

Minha fadiga encontrará em ti o seu termo,

minha carne estremece na certeza de tua vinda.

O suor é um óleo suave, as mãos dos sobreviventes se enlaçam,

os corpos hirtos adquirem uma fluidez, uma inocência, um perdão simples e macio...

Havemos de amanhecer.

O mundo se tinge com as tintas da antemanhã

e o sangue que escorre é doce, de tão necessário para colorir tuas pálidas faces, aurora.

(Carlos Drummond de Andrade)

Canjica, caldo e muitos apitaços para Brasília fizeram parte do ato desse dia 26 de maio. Foi também um dia de muita arte na manifestação que ocorreu em frente do prédio da Justiça Federal e que teve a participação de 500 servidores. Tivemos a presença do violão e da voz dos colegas Rubinho, Marcelo Alvarenga e Marcelo Camargos.

A última canção do dia (antes do Hino Nacional encerrar definitivamente o ato) foi “Bicho de Sete Cabeças”, de autoria dos inesquecíveis Geraldo Azevedo, Zé Ramalho e Renato Rocha. Para matar as saudades, registremos alguns de seus versos:

Não dá pé não tem pé nem cabeça

Não tem ninguém que mereça

Não tem coração que esqueça

Não tem jeito mesmo

Não tem dó no peito

Não tem nem talvez

Ter feito o que você me fez

Desapareça cresça e desapareça

Tivemos ainda a presença da poesia brasileira na voz e na interpretação do companheiro Hélio. Ele merece os parabéns e um apitaço tanto pela sua presença na greve quanto pelos inigualáveis versos do poeta paraibano Augusto dos Anjos. A poesia se chama Versos Íntimos e abrilhantou ainda mais a manifestação desse dia:

Vês! Ninguém assistiu ao formidável

Enterro de tua última quimera.

Somente a Ingratidão - esta pantera -

Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!

O Homem, que, nesta terra miserável,

Mora, entre feras, sente inevitável

Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!

O beijo, amigo, é a véspera do escarro,

A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,

Apedreja essa mão vil que te afaga,

Escarra nessa boca que te beija!

Luís Antônio Matias Soares
Enviado por Luís Antônio Matias Soares em 24/08/2010
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