DIA DE DOMINGO
Era domingo. Eu morava na rua principal da cidade. Todos passavam por ela. Tudo o que de importante acontecia na cidade, com certeza, era lá que acontecia ou tinha a sua origem. Por lá, tudo e todos passavam. Até enterro.
Numa manhã de domingo, não dá para ficar na cama. Apressei-me no desjejum, pois não queria perder um só momento daquele dia mágico. Sim, mágico! Este é o termo. A cidade é pequena, mas é o centro comercial para onde acorrem todos os ribeirinhos. É no comércio local que eles negociam a sua pequena produção de milho, feijão, farinha, algodão e, principalmente, a cera de carnaúba. Para quem não conhece, a cera é produzida de um pó que é retirado da folha dessa palmeira, tão comum nos vales nordestinos.
A cidadezinha começa se agitar aos primeiros raios de sol. Muitos chegam cedo para assistir a missa das sete, ficando com o tempo livre para realizarem seus negócios, visitar amigos ou, simplesmente, jogar conversa fora com os amigos. Outros querem fazer as suas compras, sem os atropelos das lojas apinhadas de gente. A cidade pulsa. Há uma energia no ar que contagia a todos. Há uma mistura de cheiros que inebria. Essa mistura vai desde o suor dos cavalos aos perfumes baratos vendidos em cada esquina. Ninguém se importa. É festa. Sim, é festa, pois nada é mais festivo do que um dia de feira no interior. Vê-se de tudo. Desde o vendedor de ervas e óleos milagrosos às costumeiras vendedoras de bolos e quitutes. É som e cheiro para todos os gostos. E, no meio dessa confusão toda, lá estava eu no meu ponto de engraxate. Era mais um cheiro a se misturar a tantos outros.
Lembro-me de uma vez que fui obrigado a engraxar a bota de um fazendeiro por dois mil réis. Não lembro bem se era essa a moeda vigente, mas era assim que dizíamos. Eu quis bancar o espertocom o sujeito e me dei mal. O fazendeiro ouviu quando eu fiz uma gracinha com a bota dele. Como vingança, obrigou-me a fazer o serviço por essa quantia. Era o preço de uma bota comum e a dele era de cano longo. Bem feito! Quem mandou fazer piada com os outros! Aprendi a lição.
Não sei por que esse fato da minha adolescência veio à tona. Certamente, foi para meu deleite, pois ninguém teve uma adolescência tão maravilhosa quanto a minha. Quantas experiências, quantas presepadas... Ai, muitas vezes, nem gosto de lembrar. Dá uma saudade!..
Ago/2010