Duas Vidas, um Destino - 9ª Vida, Sobrevivência
9ª Vida – Sobrevivência
"Dizem que a vontade de viver supera tudo,
Dizem que a vontade de viver pode realizar milagres,
Será tudo isso uma verdade inegável,
Ou apenas mais um elo nesta trama imutável de nossa existência?"
Sua voz ecoou por todo o vale que se estendia abaixo daquela caverna, assustando até os animais silvestres que porventura se achavam naquela região, tamanha agressividade emanada daquele que além de roubar um objeto sagrado no seio daqueles que o acolheram, descobriu-se traído por seu único e melhor amigo até então.
De repente, uma voz sibila pela caverna onde Setsuna estava, envolto ao odor do sangue e da carne putrefata dos cadáveres que perfurava-lhe os pulmões:
-Porquê? É óbvio que é por você ter roubado a espada sagrada do clã, meu caro Setsuna - dizia Ibuki que entrava solenemente na caverna - você é aquele que traiu a confiança de todos colocando seus desejos egoístas acima de tudo...
-O quê?!?
-Foi o que eu aleguei aos anciões quando o denunciei. O que achou? Fui bem convincente não acha? Você não imagina a expressão de espanto misturada à fúria que eles demonstraram quando souberam.
-S-seu... louco!!!! Com que motivo, pra que diabos você me pediu pra vir aqui com tanto empenho!!!
-Ué? Pensei que fosse mais inteligente, meu caro amigo, ou devo dizer traidor. - o tom de sarcasmo derramava em cada palavra que ele dizia.
-O motivo é simples. Pra colocar a culpa em você, é claro. Aí então, eu teria a confiança deles pra caçá-lo e assim ter meios de pôr as mãos na preciosa relíquia deles com a autorização pra isso. E de quebra elimino a única testemunha que sabe sobre minhas intenções, e assim, tendo posse da espada da invencibilidade!!!
De repente, movido mais pela raiva do que pela própria vontade, Setsuna avançou lançando um corte horizontal que visava o flanco esquerdo de Ibuki, o qual sequer se moveu e então algo improvável ocorreu: a lâmina da espada sagrada simplesmente lhe trespassou o corpo sem cortá-lo!!!!
"O quê?!? Mas c-como?!? Eu atravessei ele? Mas isso é simplesmente impossível!!!"
-O que houve meu caro? Parece que viu um fantasma. Ou será que viu algo que seus olhos se negam a acreditar?
Suas palavras, permeadas de sarcasmo, só faziam Setsuna se sentir ainda mais desnorteado.
De repente algo chamou-lhe a atenção, no chão diretamente à frente de Ibuki, ou melhor, de seus pés havia um rastro, como se ele tivesse sido arrastado para trás, ou mais precisamente para alguns centímetros atrás do alcance do raio de sua espada.
-O que houve Setsuna?? Por acaso você não acha que me trespassou, não é?? Você é melhor que isso. Senão não o teria escolhido para ser meu sacrifício.
-Sacrifício?!? Quer dizer que eu sou meramente um sacrifício pra você?? Um peão que pode ser facilmente descartado num momento de necessidade ou ser usado como alguém para expiar seus crimes por você?!? HEIM IBUKI?? RESPON*...
-Sua manifestação repentina fora contida por uma estocada da katana de Ibuki, que lhe perfurou o flanco direito na altura do ombro, com uma precisão cirúrgica, atingindo um pequeno vão a poucos milímetros de seu pulmão, fazendo-o arquear.
-Setsuna, meu caro Setsuna... - essas palavras eram ditas com uma sofreguidão tal que poderia se dizer que ele demonstrava até pena de realizar aquele ato. No entanto, havia algo mais, além disso, um certo desprezo, como se aquele à sua frente não passasse de um objeto que lhe traria um prazer quase trivial. - eu apenas me movi um pouco mais rápido, ou deveria dizer, um pouco mais sutil de modo a simplesmente me esquivar de seu ataque usando o mínimo de esforço, o que sinceramente, achei que você havia percebido, mas pelo que vejo, você não parece ter evoluído tanto quanto pensei, ou será que foi a vida simples deste clã que lhe tranquilizou o espírito??
-Já sei!!! Deve ter sido aquela garota que você conheceu aqui na região. Pensei que ela era apenas uma diversão passageira.
-Seu... o que você... não ouse fazer nada a Yuki!!!
-Então ela realmente é importante pra você? Então, acho que em minha sublime misericórdia vou lhe fazer o favor de matá-la. Assim ela irá lhe fazer companhia no outro mundo!!! O que acha??
Dizendo essas palavras, Ibuki gira o cabo da espada ainda fincada em Setsuna causando-lhe uma dor lancinante.
-E então meu caro, me daria o prazer de lhe tirar algo tão precioso pra você? - ao ouvir essas palavras, várias imagens lhe passaram na mente, entre elas o dia em que ele e Ibuki se conheceram, o momento da despedida do mestre, o dia em que ele a conheceu, uma bela mulher, de cabelos de um azul tão alvo que quase parecia se tornar branco, quando não se confundia com o mesmo. Os olhos da mesma cor e a pele alva dava a impressão que ela tinha nascido do cruzamento da neve com o céu, daí a inspiração para seu nome, Yuki http://pt.wikipedia.org/wiki/Yuki e por fim, a imagem de Ibuki cravando a espada nele como um lobo cravando suas presas num cordeiro.
E então veio a força, a vontade de impedir o inevitável, de realizar milagres a mais simples manifestação da força latente do ser humano, que surge quando este se vê numa situação em que necessita de uma força que possa lhe ajudar a evitar o perigo iminente, fazendo Setsuna com o braço esquerdo segurar a lâmina e usando de uma força que ele mesmo desconhecia arremessa Ibuki na parede quebrando-lhe a espada.
A expressão no rosto de Ibuki estava indefinível, como se não acreditasse no que via.
Nisso, Setsuna retira a ponta da lâmina de seu ombro e a arremessa ao chão enquanto avança contra Ibuki golpeando-o com tamanha ferocidade que parecia um demônio. O impacto do golpe fez Ibuki ser arremessado para fora da caverna em meio ao vazio para cair no precipício.
Algum tempo mais tarde, numa das casas do clã, uma jovem arrumava seus cabelos de um azul-anil tão belo que parecia não ter começo, meio ou fim, enquanto olhava pela fresta do cortinado que dava para o vazio nevado do precipício que ladeava o vilarejo, com um olhar perdido em pensamentos, triste e ao mesmo tempo firme como a neve que se acumulava na região pouco a pouco cobrindo tudo que tocava com sua brancura melancólica.
De repente, alguns gritos são ouvidos pela vila e seus olhos se arregalam, sua audição se aguça e sua respiração se torna entrecortada como a esperar que uma fera adentrasse o recinto a qualquer instante...
Os gritos de dor e das vidas que vão sendo ceifadas vão aumentando a intensidade ao mesmo tempo em que aumentava a proximidade dos mesmos.
-É ELE!!!! ELE VEIO NOS MATAR, MESMO DEPOIS DE TER PEGADO AQUELA ARMA!!!
-Não seja tolo!!! Ele pode até estar com a oferenda sagrada, mas ele ainda é só um!! Vamos reunir os melhores entre nós e acabar com e*...!!
-CUIDADO!!! ELE ESTÁ AQ*!!! ARRRRGHH!!!
Os gritos continuaram a ser ouvidos por alguns instantes, até que um silêncio fúnebre recai sobre o vilarejo. O farfalhar do vento roçando as árvores era tudo o que se ouve, até que de repente, até o próprio vento para de exercer sua função, como se houvesse fugido em meio ao caos que imperava ali.
A jovem que até então se mantivera reclusa resolve observar por uma fresta da porta o que acontecia, quando repentinamente uma mão a cerca por trás tapando sua boca, enquanto a outra circundava sua cintura finamente delineada, ficando entrelaçada pelos belos cabelos azul-anil da jovem.
-Shhhhh. Fique quietinha minha bela, e nada de mau há de lhe acometer. Apenas vam*!!! – sua voz é interrompida por outra mão que vem do lado externo da porta indo parar direto na sua garganta, resvalando o imaculado rosto da jovem fazendo correr um minúsculo filete de sangue de algum vaso sob sua pele macia.
Os cabelos negros de Setsuna caem por sobre seu braço que permanecia estirado segurando firme e resolutamente o pescoço de Ibuki, o qual tinha em suas mãos a bela Yuki.
-Como pode ser Ibuki?! Como você não morreu naquela queda? – nesse instante, a mão que circundava a cintura esguia de Yuki literalmente voa para o braço estirado de Setsuna, agarrando-o com uma tenacidade descomunal, fazendo com ele acabe por soltar do pescoço de Ibuki, o qual recua mais para dentro do recinto ainda com a jovem em sua guarda.
-Setsuna, meu caro, o que o faz pensar que se livraria de mim assim tão fácil? Eu e você somos duas faces de uma mesma moeda. Um não existe sem o outro, embora deva admitir, estou decidido a cortar essas relações com sua pessoa. E quer maneira melhor do que angariando sua bela e estimada Yuki, com essa pele suave e tenra, dádiva de sua juventude saudável e bem cuidada, que a dotou também de belos seios... Diga-me meu caro amigo, você já teve o prazer de sentir a tenacidade dos seios dela?? – ao dizer essas palavras, Ibuki correu sua mão da cintura da jovem para seus seios, por dentro de suas vestes, ao que a jovem se enrubesce de vergonha – HEIM? – dizendo isso ele aperta um dos seios da jovem que sem poder gritar por estar com a boca tapada, apenas exibe um olhar agudo de dor junto a um gemido que parecia lhe rasgar a pureza de seu corpo, enquanto sua mama era exposta em meio a tal violência.
-IBUKI MALDITO!!! PARE JÁ COM ISSO!!! SENÃO EU...
-SENÃO VOCÊ O QUÊ HEIM SETSUNA? VOCÊ NÃO É NADA!! SEM MIM VOCÊ NÃO SERIA NADA, NÃO TERIA NADA, NÃO FARIA NADA! SEQUER TERIA VINDO PARAR AQUI, NESTE LOCAL ESQUECIDO PELOS DEUSES, SEM MIM, VOCÊ NÃO TERIA CONHECIDO ESSA BELA JOVEM, A QUAL PROVAVELMENTE ESTARIA DISPOSTA A DAR SUA PUREZA A UM NINGUÉM COMO VOCÊ!! EU TE TIREI DO MEIO DO NADA E TE DEI O MUNDO!! UM MUNDO QUE VOCÊ SEQUER SONHARIA EM CONHECER! E O QUE EU QUIS EM TROCA HEIM? SÓ UM PEQUENO SACRIFÍCIO A FIM DE CONSEGUIR TOMAR PRA MIM UM ARTEFATO VALIOSO DEMAIS ATÉ MESMO PRA VOCÊ QUE NÃO SABE DO QUE ESSA ARMA É CAPAZ!! TUDO QUE EU QUERIA ERA QUE VOCÊ SE DEIXASSE MORRER PELAS MINHAS MÃOS PARA QUE EU PUDESSE TER A ESPADA SAGRADA PRA MIM!! - ao ouvir isso, a jovem Yuki se dá conta da verdade que até então ninguém sabia, e seus olhos lacrimejam suavemente - E O QUE VOCÊ FAZ? TRAI-ME. ATACA-ME COMO SE EU FOSSE UM VILÃO! COMO SE EU FOSSE AQUELE QUE DESGRAÇOU SUA VIDA, QUANDO NA REALIDADE, EU SALVEI SUA VIDA!! TROUXE-TE PARA A VIDA! INGRATO! BEM VINDO AO MUNDO REAL! ACORDE PARA ESSE MUNDO CRUEL E DESALMADO A PONTO DE DAR A VOCÊ TODO E QUALQUER TIPO DE CASUALIDADE QUE QUISER, SEM O MENOR DOS ESCRÚPULOS! QUER SER RECONHECIDO! VOCÊ JÁ O É! ENTÃO DEIXE ESSA MESQUINHARIA DE LADO E ME DÊ A DROGA DA ESPADA! OU VOCÊ TAMBÉM QUER QUE ELA MORRA? – nesse instante Setsuna, baixa a guarda por uma fração de segundo, ao que a bela Yuki aplica uma forte pisada no seu pé, fazendo-o largá-la ao que ela corre de encontro à Setsuna, mas não sem antes de chegar aos seus braços leve uma estocada de um punhal em suas costas que a lança de encontro aos braços do amado.
-NÃO!!
Nisso Ibuki sai janela afora e some em meio a uma nevasca que se formava.
Com lágrimas aos olhos, os dois vêem então, o momento de se despedirem chegar abruptamente.
-Yuki...
-Não chore Setsuna. Fico feliz de saber que você não é o traidor que disseram ser. Só sinto por não termos ficado juntos.
-Não fale nada. Vai ficar tudo bem. Eu vou... – antes que pudesse continuar, Yuki pega sua mão e a leva de encontro ao seu seio antes pego por Ibuki. Diante da expressão de perplexidade de Setsuna ela o conforta – É para que você saiba... que eu sempre pertenci a você! Então... eu não gostaria de morrer... tendo o toque “dele”... como sendo... o... último...
-Yuki...
Ao dizer isso, ela ergue seu rosto até o dele e toca seus lábios, para em seguida cair flacidamente em seus braços, exaurida do sopro da vida que naquele instante a libertara.