A visita.

Meu quarto é grande, aliás, minha casa é grande demais, minha cama é grande demais. Tudo aqui é grande demais! Menos minha mãe, eu, meus dois cachorros, meu gato e meu carrinho.

Moro a muitos anos na mesma casa. Por aqui já passou muita alegria e também muita tristeza, desespero, traições, muito dinheiro, pouco dinheiro, separação de casais, provas de amizade, inimizades, nascimento, morte, brigas homéricas, reconciliações molhadas de lágrimas, aconteceu e acontece de tudo!

Enfim uma casa.

Imagino o que diriam estas paredes se pudessem falar...

Como qualquer casa normal tem salas, cozinha, garagem etc. Mas aqui o que importa é descrever a parte intima da casa.

Existe uma porta da sala intima que sai em um hall de distribuição onde ficam os quartos é a nossa segurança á noite, tem chave, ferrolhos etc. Minha mãe ocupava um deles, sendo o meu uma suíte no final do corredor.

Na entrada da suíte tem um espaço pequeno com armários, em frente está o banheiro e a esquerda o quarto propriamente dito. No chão do quarto tem um grande tapete florido, na parede em frente tem uma penteadeira com gavetas e prateleiras, três espelhos que chegam ao teto, divididos por uma barra de madeira vertical.

A cama e as mesas de cabeceira ficam na parede oposta.

Meu filho mais novo tinha costume de sentar na penteadeira, colocar os pés em cima dos pés da cama e ficar conversando comigo, trocávamos idéias e confidências,nunca tivemos segredos um para o outro. Eu sempre pedia para ele tirar aquelas botas de escalada de cima dos pés da cama porque a madeira é clara, e iria manchar, ele ria e nem respondia, mas também não obedecia, eu algumas vezes eu fingia bater nele.

Sempre me chamando de “roxinho”,“pi doirado” ou “polú”, apelidos carinhosos que ninguém sabe a origem e acho que nem mesmo ele sabia. “Roxinho” ainda tem um quê de explicação, porque gosto muito da cor roxa e lilás, mas os outros...

Aos poucos todos foram deixando a casa, foram viver suas vidas, menos o mais novo, que infelizmente foi para sua morada definitiva aos 23 anos. Faz doze anos que Deus o chamou para mais perto dele.

Quase o acompanhei, tamanha era a dor e sofrimento, ainda sofro enormemente sua falta. Perdi um amigo!

Ficamos na casa minha mãe, os animais e eu.

Também ela partiu a pouquíssimo tempo, deixando saudades...

Mamãe com 92 anos de idade, sempre tomando remédio para dormir, levantava a noite para comer, ou tomar água com açúcar, enfim “aprontando”. Por esse motivo eu não fechava mais a porta do quarto, para estar alerta caso ela se levantasse, ligasse o fogão ou outras “coisinhas” mais que costumava fazer.

Os cachorros são de porte pequeno, mas ótimos vigias, eles costumam dormir no corredor entre os quartos

Precisei detalhar bem a casa, e o que nela acontecia durante a noite para que entendam o que se passou.

Uma noite acordei com o barulho de uma porta batendo, sentei na cama, acendi o abajur na mesa de cabeceira, (ele fica um pouco distante não é possível acender ou apagar deitada),levantei e fui ver o que se passava.Estava certa que minha mãe estava fazendo mais um das seus passeios noturnos. Testei a porta do corredor que isola a parte intima e a porta do banheiro, ambas estavam fechadas.

Abri a porta do outro quarto, estava vazio. Me dirigi ao quarto de minha mãe, abri a porta com cuidado para não acordá-la, ela dormia tranquilamente, esperei uns segundos para me certificar que tudo estava normal, fechei a porta e saí bem devagar, ela nem percebeu. Imaginei que o barulho devia vir da casa de algum vizinho que tivesse batido a porta com violência

Voltei para meu quarto, sentei na cama, tirei os chinelos, ainda sentada apaguei o abajur. Quando reclinei o corpo para deitar, aconteceu o inesperado. Parecia ter levado um choque elétrico, imediatamente voltei a sentar! Uma claridade surgiu da penteadeira e vinha em minha direção aumentando aos poucos, a figura de meu filho foi se delineando, ele estava sentado na penteadeira com os pés sobre o pé da cama como costumava fazer. Não sou capaz de contar qual foi a minha reação. Ele desceu da penteadeira, devagar se aproximou de mim, sempre sorrindo sentou ao meu lado na cama, e segurando minhas mãos com muito carinho, acariciou meu rosto e disse.

“Fica tranquila roxinho, vai dar tudo certo.”

Ainda sorrindo ele e a luz foram esmaecendo até desaparecerem de vez. Não sei quanto tempo durou sua presença, nem imagino!

Ainda no escuro eu ria e chorava ao mesmo tempo, desesperada pedia a Deus que ele voltasse, queria abraçar, beijar, matar as saudades, agradecia a Deus pela graça que me deu, de ver meu filho, mas queria sentir mais a presença dele. Chorei e rezei a noite toda, quando começou a clarear o dia ,estava exausta,me levantei e fui para o jardim chorar a imensa saudades e agradecer sua visita. Queria muito ter dito tanta coisa a ele, sentir seu cheiro e calor. Quando ele segurou minhas mãos e acariciou meu rosto não me apercebi de mais nada, nem de seu calor, só recordo sua voz e suas palavras. Não decifrei ainda o recado que me deixou, mas algum motivo ele deve ter.

Queria e quero ver ou sentir outra vez a presença dele. Durante vários dias me sentia como se estivesse flutuando, não conseguia raciocinar, agir com naturalidade, parecia estar sonhando, chorava praticamente a noite toda. Todos notaram que eu estava estranha, mas não comentei nada com ninguém, não tinha condições psicológicas para tocar no assunto.

Muito tempo depois descrevi para minha família o que havia se passado, mesmo depois de vários dias eu ainda chorava ao tocar no assunto. Alguns disseram que eu estava sonhando, outros não falaram nada, minha mãe me disse alguma coisa que teve algum significado: “Ele era muito ligado a você, vocês eram muito parecidos em todos os sentidos até fisicamente, ele deve estar preocupado com você por isso veio te acalmar, deixe ele em paz minha filha”.

Meu neto ainda jovem me abraçou carinhosamente e simplesmente disse: “Vózinha, você acha que ele foi embora? Foi nada, ele está aqui com a gente.”

O raciocínio simples dele me surpreendeu, quero acreditar nisso, preciso acreditar...

Já faz um bom tempo que isso se aconteceu, para falar a verdade, quase um ano, se não me engano.

Hoje lembro com saudades daquele dia em que tive a felicidade de ver novamente meu filho sorrindo feliz.

Não voltei a comentar o assunto com os outros filhos e neto, porque não quero que pensem que vivo em função do irmão que se foi, a quem eles também amavam muito. Hoje desejo apenas me dedicar a eles, dar muito amor e usufruir da sua companhia o máximo que puder.

Porém de uma verdade não posso fugir, jamais serei a mesma, toda noite ao me recolher, apago o abajur e automaticamente fico alguns minutos sentada na cama olhando para o espelho...

M.H.P.M.

Helena Terrível.