RADIOLA E SERENATA: UMA DUPLA DE CONQUISTA

Venho, a várias crônicas, me fazendo recordação e narrando aqui, nesta coluna, passagens dos tempos de outrora – meus e de alguns amigos. Pois bem, continuando na mesma linha, na semana passada, juntamente com algumas amigas da minha idade, nós recordamos os nossos tempos de rapazes e moçoilas casadouras onde o início de alguns namoros se dava, na primeira tentativa, através de uma serenata.

Rimos muito quando lembramos as várias presepadas causadas, justamente, por ter que ir, altas horas, perturbar o sono dos mais velhos e “botar” música para a futura namorada ou, se já era, com a finalidade de uma reconciliação.

Cada um de nós contou um episódio decorrente de uma serenata. Enquanto íamos nos lembrando e socializando, para os mais novos, como se dava a “paquera”, eu me lembrei de como era diferente namorar na nossa época de rapaz e, da mesma forma, como são os namoros de hoje em dia. Não que fosse “diferente” no sentido do encontro entre um homem e uma mulher, pois isso não muda nunca, mas, como as regras eram seguidas e, dificilmente, se pulava uma etapa, mesmo que os “finalmente” fossem aos moldes de hoje em dia.

E não é que eu queira ser saudosista, mas o namoro de antigamente tinha mais sabor. Para começar, a conquista não se dava na primeira olhada ou no primeiro piscar de olhos; o beijo era dado, muitas e muitas vezes, primeiro pelo olhar; o romantismo era uma marca presente e, uma das estratégias mais utilizadas era, exatamente, a serenata.

A serenata tinha seus encantos e envolvia uma série de pormenores para que fosse realizada. Digamos que a moça estivesse “interessada”; então, o primeiro passo era uma sondagem para ver se era viável fazê-la (a serenata): ver se o local era calçado, se a rua tinha livre acesso, se não tinha cachorro na casa, etc. O segundo passo era investigar o pai da moça: se ele era “valente”, se aceitava radiola na porta do quarto da filha, se não tinha um histórico “de botar pra correr vagabundos sem futuro”. Enfim, vencidos todos esses detalhes, se passava a providenciar o equipamento necessário para a realização da conquista através da serenata.

E qual o item mais importante? A radiola, claro! Porém, tinham detalhes essenciais: as pilhas (“piulas”, “carregos”) tinham que ser novas, a agulha devia estar limpa e os discos de vinil, a serem utilizados, não podiam ter riscos ou estar “empenados”. Com isso pronto, era feito o teste: tocavam-se, em casa, as músicas a serem “rodadas” à noite e, em seguida, memorizadas as faixas onde devia se colocar a agulha. Sim, porque se colocasse uma faixa errada, se as pilhas falhassem, a agulha emperrasse ou, se mesmo o disco ficasse arranhando, adeus conquista. E ainda tinha mais um “porém”: como era cidade do interior, no outro dia, todo mundo saberia do fracasso.

Munidos desses acessórios, esperava-se a madrugada chegar (normalmente, era entre meia-noite e duas horas da manhã) para ir fazer a serenata. Chegar, no entanto, também exigia estratégia. Normalmente, quando se chegava perto da casa da moça, o silêncio era total nas passadas. Fazia-se o mínimo de barulho, pois era preciso chegar à calçada sem que ninguém percebesse. Na calçada, a radiola era aberta e os discos, previamente selecionados, eram colocados lado a lado para que não houvesse erro na hora de “botar pra rodar”. Munidos de fósforos ou isqueiros, se “alumiava” o disco e depositava a agulha na faixa desejada. Detalhes: o volume não podia ser estridente. No máximo, um som ambiente. O total de músicas a serem “rodadas” era entre três e cinco.

Assim, quando o som começava, o cortejador ia para o meio da rua. Por dois motivos: primeiro era para que a moça, ao olhar pela fresta da sua janela, vislumbrasse a sua silhueta; segundo, porque se o pai da moça “inventasse” de fazer alguma “presepada”, dava tempo de correr. Mas, o normal era que a serenata transcorresse num clima de romantismo e, a partir daquele instante, a moça, de fato, passasse a namorar, “com gosto”, com o jovem conquistador.

Acontecia, em diversas oportunidades, do pai da moça abrir a porta da casa, botar as cadeiras na calçada e convidar o rapaz (que ia sempre com dois amigos) para se sentar. Aí, quando isso acontecia, a serenata ia até o raiar do dia. Claro, regado a bebida e tira-gostos (muita das vezes, a pretendente era quem preparava e, com isso, aparecia para “flertar” um pouquinho).

Lembro-me, especialmente, de uma serenata que não deu certo. Recordo-me, porque foi hilária (para quem não tinha nada com o peixe, é claro, pois para o pobre do rapaz, foi o mesmo que enfiar um punhal em seu peito). Foi assim: Carlos estava “arriado os quatro pneus” pela linda e sensual Margarete. Como não tinha radiola para fazer uma serenata - e mesmo porque queria inovar na conquista -, contratou um seresteiro profissional para cantar para ele na porta da casa da mulher dos seus sonhos. Contrato feito e marcado o horário, lá se foram eles dois para o castelo da Cinderela. Ao chegarem, o violão passou a dar o tom acompanhado da voz do seu tocador. Tocaram três músicas. Nesse ínterim, a moça abriu as rótulas de sua janela e viu, no escurinho “do cinema”, aquele que a estava fazendo se “arrepiar”.

Não deu outra: a serenata foi um sucesso e a moça rendeu-se aos encantos devaneadores de quem a estava cortejando, com uma pequena alteração no cenário desenhado por Carlos: ao invés de a moça entender o seu intuito, ela preferiu se entregar, de “mala e cuia”, ao cantor seresteiro, que tão bem “cantou” – o seu corpo e a sua alma.

História de quem, de vez em quando, retorna ao seu passado...
 


 

Obs. Imagem da internet

Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 22/08/2010
Reeditado em 07/12/2011
Código do texto: T2452330
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