UM DOMINGO ALOPRADO

Quando meu filho era  ainda um menino ,costumávamos sair todos os domingos para as nossas pescarias.Havíamos descoberto um recanto muito interessante bem proximo à rodovia.Era um local em campo aberto que em razão de situar-se atrás de um reflorestamento de "pinus" quase não avistava-se quando se passava pela BR e assim,pouco frequentado.Gostamos tanto do local que agendamos uma pescaria para o proximo domingo.
Chegara o grande dia!...E não poderia ser mais belo.Céu azul,calor de novembro...Um dia "daquêles que prometem".
Caixas de isopor com sucos e refrigerantes gelados,outras com sandubas e salgadinhos,fatias de bolo,biscoitos...Resumindo:"Uma comilança!".
Apostos:Os amigos de Thiago.Marcos,Clayton,Douglas e Leandro.
As alcunhas pela ordem:"Butiá","Anú","Burguela" e..."Niné".Êste,merecedor de um capítulo à parte:Leandro,o "Niné",cujo apelido deu-se em função do esforço que seu pai (um ucraniano da gema) fazia para chamá-lo carinhosamente de "Nenê",uma vez que era o caçula da casa.Tudo o que conseguia pronunciar era tão somente "N I N É",ocasionando o apelido do moleque franzino de olhinhos azuis faiscantes e idéias e "aprontadas" igualmente brilhantes.Conferidos os últimos detalhes (água e ração para os cachorros,cadeados nos portões,uns solavancos para garantir-se de que as portas haviam sido fechadas) pegamos a estrada.
Animação total dentro do carro!...Não demorou e abriram-se os primeiros pacotes de salgadinhos.O ambiente foi tomado daquêle odor de chulé,tão característico nêstes petiscos.Empurra,empurra daqui,um tapinha na orelha dali,teimosia...gaboliçes,a polaca tentando por ordem no galinheiro,(sem muito êxito),e a viagem prosseguindo.Vez e outra experimentávamos uns punhadinhos crocantes e chulezentos de salgadinhos.
Niné,muito criativo como sempre,tem a brilhante idéia de cantar o seu sucesso preferido e "estimular" a galera a acompanha-lo no refrão.A partir daí a viagem foi sonorizada ao som de "Bruno e Marrone" sob a batuta do pequeno ucraniano:
"Seu guarda eu não sou vagabundo,não sou delinquente,sou um cara carente...Eu dormi na praça,Peeeeeeeensando neeeela".(Êste finalzinho,arrastado ao máximo).Não demorou,a polaca e eu,tínhamos entrado no clima sendo as duas vozes adultas daquela banda.A farra estava das boas quando finalmente chegamos ao local da pescaria.Todos desceram feito um furacão.A partir daqui,iniciam-se as tragédias:
A polaca tenta retirar as varas de pescar pela porta da frente,no exato momento em que Clayton as pucha pelo porta malas.Um dos anzóis solta-se e fisga o dedo polegar da Polaca.Ouve-se na tarde ensolarada um dolorido "Aiiiii!!!!!...".Tentativas inúteis de retirar o anzol.Puxa daqui,vira dali...Nem o talento de Niné foi capaz de conseguir a proeza.Deduzimos da lição o quanto deve sofrer um pobre lambarizinho quando é retirado.,via aérea e devidamente fisgado de seu habitat natural.
Não restando outra alternativa,voltamos uns 18 km até uma cidadezinha proxima onde um médico de plantão,depois de uma anestesia local e pequena incisão retirou o anzol do dedo da paciente,que "pacientemente" havia viajado fisgada por uns 18 km.
Cobrou um valor razoável pelo seu trabalho e aproveitou ainda para mostrar-se incoveniente:
-Começaram bem a pescaria!Fisgando "um peixão dêstes",lançando um olhar libidinoso no peixe,digo,na polaca,o que não me agradou nem um pouquinho.Como sou de paz,engoli a sêco devolvendo-lhe um sorriso muito superficial sufocando a minha vontade de "enfiar-lhe a mão na cara".
Restava muito da tarde de domingo e voltamos para o rio.Agora,com muito cuidado procedemos ao desembarque e principalmente à retirada das varas de pescar.Tomamos o rumo do riacho.Um barulhinho de águas rolando sobre as pedras entremeado a gorjeios de passarinhos,temperavam aquilo que parecia ser um grande programa.Parecia...Não fosse aquela coisa enorme,brilhante e malhada que cruzou a alguns metros à nossa frente.Rebolativa,cabeça empinada...Lançou-nos aquêle olhar de cobra e teve a petulância de nos mostrar a língua!...Nenhum de nós teve a coragem de seguir em frente.Retornamos para o carro imaginando uma cascavel cravando as suas presas à cada capím que nos tocava as pernas.Fomos derrotados,humilhados,por uma cobra cretina que sentia-se dona do pedaço.
Meio sem graça,e silenciados à música de Niné,voltamos alguns km até o parque da pedreira onde a piazada se esbaldaram o resto da tarde,nadando na piscina e nas correntezas da cachoeira.Polaca,estirada à sombra de uma árvore,vez e outra olhava entristeçida para aquêle seu polegar vestido de ataduras,fazendo um sinal de positivo.Calada,imagino o que devia passar-lhe pelos pensamentos.Eu,no mirante,tomava um sorvetinho básico com olhares atentos "aos meninos" na água.
Foi-se o dia.Travara-se uma luta danada para retirar os fedelhos de seus mergulhos.Precisei quase baixar o nível.Emburrados,com aquêles odores de "piás de banhado",embarcaram e fomos tomando o rumo de casa.
Mais tragédias viriam pela frente!
Mal tínhamos saído dos portões e adentrado à rodovia e fomos sendo podados por um comboio de caminhões carregados,cada um,com três andares de suínos à caminho do abate.
Minha gente,sarcófagos,devem ser bem mais cheirosos.
Aquêle odor de "cáca" suína infestou o ar parado da tarde.Calaram-se os sabiás,os cães,os sapos...Fugiram espantados daquela nhaca que empestava o ambiente.Diminuimos a marcha e tentamos ficar o mais distante possível daquele "comboio do fedor".Fomos seguindo lentamente e dada à fixação do aroma o ar continuava emporcalhado,literalmente!Difícil imaginar que um delicioso pernil provenha de bichos tão fedorentes feito êstes.
Como à toda desgraça corresponde uma compensação,fomos agraciados com uma belíssima cena.Num recanto bucólico às margens da rodovia,sobre os galhos secos de umas árvores à beira do rio,dezenas,centenas talvez,de garças acomodavam-se para o seu pouso noturno.
Dá-se inicio à seção lírica e poética da tarde.Opiniões e frases de efeito vão surgindo:
"Como a natureza é bela!"..."Isso é a prova de que Deus existe!"..."Que lindas!"..."Tão branquinhas!"...etc...etc...
Um ligeiro silêncio e,no banco traseiro,inicia-se a parte filosófica que fecharia a tarde com eloquentes considerações sobre as aves de pernas longas.
-Ainda bem que vimos estas garças e escapamos daquêle fedor de porcos,diz alguém.
-É,mas...garças também cagam! Profere um outro filósofo.
Mais um ligeiro silêncio e o grupo filosofante,de comum acordo, entoa:
-É...Você tem razão.
Marcos , "o Butiá",argumenta:
_Mas elas cagam branco!
E Niné,o maior dos filósofos,arremata:
-E bosta branca também fede,não é mesmo seu Joel?...Melhor,irmos embora que já está anoitecendo.
-Correto,seu Niné.Vamos que vamos!
"Seu guarda eu não sou vagabundo,eu não sou delinquente....Desta vez fui eu quem abriu a cantoria,à caminho de casa.