No último ano do curso de Teologia Espírita, tivemos uma disciplina onde a professora nos exigiu como trabalho semestral, a execução de uma colcha de retalhos.
Cada aluno deveria contribuir com material e mão de obra. E o material não poderia ser comprado, ou seja, roupas ou retalhos usados. A outra exigência, é que deveria ser confeccionada em aula, nos intervalos, enfim, a colcha não poderia sair da Faculdade.
De início, nos entreolhamos e permanecemos calados. Depois, as conjecturas habituais: "Essa professora é louca ... em plena execução da Monografia de Conclusão de Curso, e ela vem com isso? ... eu não vou fazer ... temos de exigir outro trabalho ... etc.
Mas, como o discurso e a ação devem ser coerentes, e estávamos ali aprendendo justamente a coerência, nos despojamos da empáfia e passamos a nos organizar para a execução da colcha.
Na semana seguinte, os mais antenados ou responsáveis, passaram a trazer material. Retalhos, roupas usadas, botões, fitas, etc. Logo os outros adentraram ao rebuliço, e passaram também a contribuir. Lá estava uma enorme sacola plástica, recheada de material.
Deu-se início à colcha, inicialmente, cortando os retalhos em quadrados e separando-se o que se aproveitaria ou não. Dos retalhos menores, me pus a fazer fuxicos (para quem não sabe o que é, são círculos de tecidos, franzidos), para incrementar o trabalho.
Como sempre acontecia, demos conta de confeccioná-la.
Em cada pedaço desta colcha, ficou impresso sentimentos, trocas, conversas, que atravessaram várias aulas de diferentes disciplinas e intervalos, nos revezando na costura de um retalho a outro. Foi interessante ver o espanto e reação de cada professor ao entrar em sala e se deparar com a cena.
Indiferente de sexo ou habilidade, a colcha foi se compondo, com um pedaço de cada um; a história pessoal sendo espalhada pelos retalhos entre uma conversa e outra. Outro ponto interessante foram os vários minutos de silêncio, onde mesmo juntos, três a quatro costurando, nos distanciávamos, cada qual nos seus pensamentos. Um de nossos colegas nunca tinha pegado em uma agulha; e com as mãos no bolso andava em volta até ser puxado para o trabalho. Afinal, todos deveriam participar, e ele não só conseguiu como também demonstrou criatividade.
Enquanto costurávamos nossos pedaços aos dos outros, não só aquecíamos nossas pernas, por estarem embaixo da colcha, mas aquecíamos também o vínculo, a cumplicidade e a reciprocidade que sempre houve entre nós. Nestes quatro anos de convivência, criamos uma ligação muito forte de amizade e cumplicidade. Turma pequena, mas de personalidade forte, o que nos unia.
A colcha foi destinada a um morador de rua. Um desconhecido, que se aqueceria em castos panos emendados, sem saber realmente que estávamos ali, em cada retalho, buscando como ele, calor e aceitação.
Uma colcha apenas, mas diferentes pedaços unidos, retratando as diferentes pessoas que a compuseram, que mesmo sendo diferentes, se uniram, entrelaçaram experiências e sentimentos. E aquela colcha representou o que meus colegas e amigos são: diferentes, mas unidos em um mesmo propósito, o de se autoconhecer e ser feliz.
Amigos! Que nas diferenças e semelhanças, cultivadas nas dificuldades da convivência, frutificaram em afeto, amizade e aprendizado, na aceitação (ou tolerância) do outro, como sementes em um jardim, que vingam com ou sem sol, e florescem, cada qual com sua beleza única, inigualável, pois singular.
Imagem: poetandoepensando.ning.com