CRÔNICA #016 - MEMÓRIAS - MEU AVÔ
Meu avô, Joaquim Félix Rolim – Joaca (* Maio/1898 – † Junho/1995), Agricultor de Missão Nova – CE, era também um grande poeta de mancheia que escrevia sobre as coisas do Sertão. Seu estilo preferido era galope, uma poesia com estrofes de 10 versos, baseada em um mote de uma ou duas linhas que obrigatoriamente deveria finalizar cada estrofe. Suas rimas, geralmente seguem o paradigma ABBAA-CCDDC onde DC são os versos do mote.
Meu avô além das qualidades de poeta, conselheiro, Juiz de Paz na Roça, “foi mestre em diversas profissões: pedreiro, seleiro, carpinteiro, sapateiro, fornalheiro e agricultor. Como pedreiro, construiu várias casas, sendo reconhecido profissionalmente com a construção da igreja de Missão Nova*, feita em alvenaria com longos arcos sem concreto armado, emoldurados por cipós de São Caetano, com seus altares todos trabalhados á mão, projeto planejado pelo próprio Joaca, baseado no aspecto exterior da Basílica de São Pedro, em Roma, guardadas as devidas proporções. Por esta construção, Joaca recebeu o título honorífico de Engenheiro prático concedido pelo ex-Presidente da República, Getúlio Vargas” (do blogger Alagoinha. Ipaumirim http://alagoinhaipaumirim.blogspot.com/2010_03_01_archive.html).
Tinha como hobby, além de escrever poesias, ler as mãos das pessoas, prevendo o futuro etc. Na meteorologia prática, ele previa com precisão, com margem de erro zero, o tempo. Baseado na observação de vários fatores naturais previa a qualidade das invernadas.
Gostava muito de mim e certa vez, chamou-me e disse-me que havia me escolhido para ensinar-me e passar para mim o seu 'dom' de ler as mãos. Emprestou-me alguns livros sobre quiromancia e me instruiu nessa arte. Cheguei ler algumas mãos e fiquei abismado de ver como as pessoas se impressionam com tudo aquilo. Uma coisa que me fez refletir bem e 'sartá de banda', como diria o bom mineiro, foi o fato de eu ter lido a mão de uma moça e ela ter ficado tão impactada com o que eu lhe dissera que alguns tempos depois ela andou espalhando que eu era realmente um vidente, pois tudo o que eu dissera a seu respeito acontecera tintim por tintim. Aquilo me chamou a atenção de tal modo que abandonei ali mesmo a prática de quiromancia, porque via que eu não sou Deus para está mexendo com o destino dos outros, mesmo porque eu achava que apenas as pessoas se sugestionavam com as palavras e se deixavam levar por aquilo até que algo justificassem a predição, naquele caso, uma maldição. Hoje troquei o livro de quiromancia pelo LIVRO DA VIDA, e sigo o seu manual de instrução - A BÍBLIA SAGRADA.
Outra coisa que o meu avô quis me testar, quando eu tinha uns 14 anos, foi a poesia. Certa ocasião ele me disse: “Meu filho, deixe-me ver se você herdou minha veia poética. Aqui está um mote. Tente desenvolvê-lo”.
Então, peguei o seu mote – “SEM PAI, SEM MÃE – EU E ELA”. Isolei-me um pouco e passei a matutar naquele mote e saiu-me, pouco tempo depois o seguinte:
SEM PAI, SEM MÃE – EU E ELA
Muito cedo comecei
Minha solitária vida.
Sem casa e sem comida,
No trabalho me apeguei;
Os amigo' abandonei
Para o pão ter na tigela.
Então, conheci a donzela,
Que hoje é minha senhora;
E vivemos como outrora:
Sem pai, sem mãe – eu e ela.
"Está aqui, Vovô! Só consegui fazer uma estrofe", falei-lhe ao entregar minha tarefa cumprida. Meu avô recebeu o meu galope, leu e disse: “Está muito bom. Realmente. Você tem a veia poética”. Recebi com muita honra o seu comentário. Aquela havia sido a minha primeira produção poética e que acabo de compartilhar com vocês.
(*) Antes desta construção, havia uma capelinha que data do Século XVIII, tendo sido o primeiro templo católico do Cariri.