Decreto lei

Decreto lei

Era fato, foi publicado no diário oficial do Rio de Janeiro e de São Paulo que os donos de imóveis residenciais derrubassem os muros que ficam em torno das casas, que a partir de determinada data todos teriam que cumprir o decreto lei, sob a pena de alta multa diária.

Foi uma confusão popular, as prefeituras estavam lotadas de reclamantes com jornal na mão, os funcionários estavam indignados. O autor do decreto era desconhecido, sabia-se apenas que fora aprovado pela câmara e lei é lei, isto era tudo que explicavam.

A população estava revoltada, as classes sociais acusavam-se mutuamente. As mansões não teriam muros! Os condomínios de classe alta, às abertas, que fariam? Como seriam? Logo espertalhões tecnocratas abraçaram a causa a favor dos muros, organizaram passeatas, protestos, porque tem gente que parece que só vive para fazer isso, passeatas, com cartazes curiosos, como: “O muro é tudo!” “Os muros não podem cair” “Muros erguidos” “Muros unidos, jamais serão vencidos”. As cenas foram dignas de registros e de incompreensão e muita inteligência!

Outros tecnocratas, aproveitando os feitos, decidiram defender a causa do fim dos muros e subiam em palanques com discursos políticos poéticos do tipo: “Os muros escondem quem é quem” “Sem muros todos estão mais próximos”. Muro para quem precisa? O decreto lei se transformara em pouco tempo em noticia nacional, continental, mundial. As prefeituras foram amadas e odiadas. E-mails, cartas, telegramas de apoio e repulsa, all doors, abarrotavam toda a mídia.

A imprensa mostrava fotos de muros históricos, como o de Berlin, as muralhas da China, divisas das Coréias e outros menos famosos. Enfim, dava gosto ver o espetáculo, os dias se tornaram repletos de eventos inéditos, como campanhas para um muro mais forte e sem muros e mais mundo, eram prós e contras que não acabavam e se enfrentavam nas ruas enfeitadas e alegres, ambos os lados contra a violência, falavam dos fins das fronteiras do mundo, falavam contra invasões de privacidade, falavam de muros só para presídios, etc.

Por conseguinte, provou-se que não faz parte do âmbito cultural brasileiro casas sem muros, porque muitos funcionam como verdadeiros tapetes, onde escondem o lixo, a sujeira que esconde verdades, são casas sem recursos, sem seguranças, pobres que guardam tesouros inexistentes. Enfim, na realidade, os brasileiros não vivem sem muros, diferenças, esconderijos, olhares cobertos. Não estamos prontos para viver sem muros, pois nos roubaríamos, nos odiaríamos, enfim, nos mataríamos.

Percebi então, que a liberdade que entraria por nossos olhos, por nossos pensamentos, não entraria talvez em todas as almas, pois muitas devem estar resguardadas contra a mentira, a falsidade, contra os infortúnios da moral humana. Até as almas são questionáveis. Elas são a essência do próprio homem. Era desesperador, vi criaturas chorando para viver atrás de muros, no conforto oculto de suas casas.

Disseram-me, porém que juízes das comarcas instauraram liminares que suspenderam a ordem do decreto lei, que seu julgamento final ocorreria em trintas dias, sendo sancionado o decreto, sem diretos de recorrer em qual instancia e sem julgo popular. Assim, trinta dias depois, deu-se pelo fim o direito da queda dos muros, pois os muros, segundo argumento de um jurista filosofo, os verdadeiros, jamais cairiam, mesmo em cidades sem muros de concretos existem muros da alma, que exercem muito bem seu papel de esconder cada homem em si mesmo.

Após divulgado o veredito, não houve nenhuma comemoração, talvez por constrangimento, apenas se recolheram por de trás dos seus muros em silêncio.

Leddo domus

Domus
Enviado por Domus em 19/08/2010
Código do texto: T2447776