CRÔNICA – O lucro dos bancos

            A vida nos reserva muitas surpresas, umas boas outras desagradáveis.

            Há poucos dias, perdi um de meus melhores amigos. Até parece coisa automática. Ontem, soube que o meu grande guru “Nobre”, que é cardíaco, passou mal e até correu risco de vida. Confesso isso me abalou profundamente, mas os médicos o liberaram e o mandaram pra casa.

            Confiante, fui-lhe fazer uma visita de amigo. Esse cara é de ferro, atendeu-me como sempre, na mais profunda cortesia e admiração. Disse que estava ansioso pra falar comigo, e que talvez essa tenha sido a causa de haver adoecido, por isso que não me encontrava de jeito nenhum.

            Foi o favo no mel. O assunto que eu queria tratar era o mesmo que ele havia separado nas suas anotações. Justamente o lucro dos bancos. Daí resultou no seguinte bate-bola:

 

-- Meu dileto camarada Nobre, o que você me diz dos lucros dos bancos recentemente publicados na imprensa?

 

-- Olha uma vergonha, um acinte contra o povo nacional, exploração inconcebível do cidadão que trabalha um ano e paga quase cinco meses de impostos ao governo. Um roubo oficial.

 

-- Fale-me apenas do Banco do Brasil, que é do governo, embora o seu funcionalismo não seja considerado empregado público, pois é tido como empresa de economia mista, uma brecha adrede deixada na lei.

 

-- Pois bem, você se lembra que esse banco já “quebrou” duas vezes, uma delas em época não muito remota, sendo necessária a injeção de recursos extras, pois o governo lançava mão dos da instituição para outros fins, e a empresa era obrigada a emprestar fabulosas somas a juros módicos às atividades agropastoris. Nessas aplicações os riscos eram demasiados, em face de problemas climáticos que ocorriam, ora de secas ora de muita chuva, sem perder de vista os tomadores contumazes em não pagar suas dívidas.

 

-- Sim, mas o BB tinha a retribuição do governo!

 

-- Evidente que sim. Todos os depósitos do governo federal eram obrigatoriamente nessa casa de mais de dois séculos de existência, e todos os impostos haviam de ser recolhidos a sua caixa. Era dinheiro vivo, sobre o qual não incidia juros, e com essa regalia o banco praticava taxas de juros altamente favorecidas às classes geradoras de riquezas. Havia empréstimos até de 4% ao ano, taxa que hoje é aplicada praticamente ao mês.

 

-- Mas havia margem de lucro para o banco?

 

-- Evidentemente, se os depósitos do governo não eram remunerados, os recursos podiam ser manipulados em toda direção, pois a custo zero, e qualquer que fosse a taxa cobrada nos empréstimos, deduzidas as despesas operacionais e outras, o superávit se apresentava líquido e certo. Funcionário do BB tinha uma vida muito boa, os aumentos concedidos eram geralmente a bel prazer dele e não havia esse negócio de greve por melhores salários. O patrão era justo. Quando menos se esperava chegava uma instrução comunicando que havia sido concedida uma majoração salarial. Conta-se que antigamente, no interior do país, quando a mocinha ia dormir assim procedia: “Sua bênção meu pai”! – Deus te abençoe e te dê um marido minha filha. “Sua bênção mamãe”! --Do Banco do Brasil, querida! O concurso do banco era mais difícil até do que muitos vestibulares para as faculdades, hoje não; mas o salário inicial é uma miséria...

 

-- Sim, entendo, mas por que isso mudou?

 

-- Meu caro. Tal de José Sarney, juntamente com o Maílson da Nóbrega, ou seja o ex-presidente da República e seu Ministro da Fazenda, este que era também funcionário do BB, resolveram tirar toda a regalia que o estabelecimento tinha desde os tempos de sua fundação. Proibiu que ele movimentasse livremente a conta de depósitos do governo, que passou a ser administrada pelo Banco Central, que fora criado em 1965, logo após o golpe militar de 1964. Esse novo banco só pôde funcionar com a cessão de funcionários qualificados do BB, escolhidos a dedo, desfalcando sobremaneira o potencial do pessoal mais bem qualificado naquela época.

 

-- E então?

 

-- O resultado é que o BB passou a pagar juros ao BACEN, a preço de mercado (um absurdo) das quantias que lançasse mão para emprestar.                                                                                  Deu uma “zebra” danada, em face do poder de competitividade da instituição oficial, que ficou reduzido a quase zero, porquanto sua folha de pagamento muito pesada; como disputar um mercado sem experiência e com custos elevados, se os bancos particulares pagavam uma desgraça aos seus funcionários, deles exigindo sangue, suor e lágrimas, e quase nem pagavam horas extras! Houve casos até de o BB cobrar taxas superiores àqueles, e o fato é que não fora a criatividade de ex-presidentes desse banco (Camilo Calazans de Magalhães, nordestino de Sergipe, por exemplo), certamente que ele quebraria novamente. Ocorre que esse competente e dedicado gestor, de maneira repentina, fora demitido pelo governo.

 

-- E daí?

 

-- O banco foi sobrevivendo com altos e baixos; a politicagem fixou morada na casa, mas foi dando para o gasto, porque o Calazans investiu muito no Departamento de Treinamento de Pessoal, patrocinando cursos de toda espécie para o funcionalismo, este que era tido como absurdamente remunerado, que abriram os olhos e passaram a dedicar mais empenho à organização. Bom que se diga que os próprios empregados, não agravando a todos, tinham postura de “barnabés”, nada queriam com a vida. Então passamos a ver os seus gerentes trabalhar com uma maquina de calcular, de bolso e a negociar direto com a clientela os termos e condições dos empréstimos e captações.

 

Não foi difícil pegar o rumo das coisas, eis que a mão-de-obra era realmente qualificada por concursos públicos de âmbito nacional. Todavia não foi “mole” sobreviver depois da perda da condição de autoridade monetária, que até emissão de dinheiro podia fazer.Naquela época as provas tinham mais credibilidade do que no tempo atual. Fraudes, jamais!

 

-- Mas a verdade é que o BB está vivo!

 

-- Exato, e você queria que não? Na última crise que assolou o mundo, originada nos Estados Unidos, quando o presidente Lula a classificou de “marolinha” aqui no Brasil, todos os bancos que estão dando esses lucros fabulosos hoje em dia passaram por necessidades de recursos, levando a que o governo os socorresse de várias maneiras. Ora, em apenas dois anos eles têm um desempenho desses, não pode ser normal. Isso é demonstração de que estão explorando a clientela com um “spread” acima do que seria normal (diferença entre os juros cobrados nas operações de empréstimos e o custo de captação dos recursos).

 

...O lucro do Banco do Brasil, no primeiro semestre de 2010, foi da ordem de R$ 5,1 bilhões, havendo crescimento de 26,5% em relação ao mesmo período de 2009, conforme balanço divulgado na semana passada. Veja que o lucro é semestral, e geralmente o da segunda metade do ano é mais elevado. A administração do banco alegou que a causa dessa elevação foi a soma maior de empréstimos colocada à disposição de sua clientela e a queda da inadimplência, isto é, os tomadores passaram a pagar em dia seus débitos.

 

...Em sendo assim, com a inadimplência baixa a entidade deveria estar praticando taxas de empréstimos mais favorecidas aos seus usuários.

 

...Sintetizando, o nosso secular BB passou a ser um banco igualzinho aos privados, sem tirar nem colocar, e daí a pergunta: Por que o Banco do Brasil se ele é tão explorador como a rede particular?

 

-- Quando o Banco do Brasil foi fundado?

 

-- o BB foi criado em 12 de outubro de 1808 pelo Rei D. João VI, por sugestão do Conde de Linhares, Rodrigo de Sousa Coutinho, num conjunto de ações que tinham em mira a criação de indústrias manufatureiras no país, incluindo isenção de impostos para importação de matérias-primas e de exportação de produtos industrializados...

 

...Na verdade, é o único banco real deste Brasil...acho até graça. Dizem, entretanto, que quase todos os cargos de realce foram loteados, bastando para isso que os destinatários sejam do Partido dos Trabalhadores.

 

-- Mas você sabe os lucros dos outros grandes bancos?

 

-- O Santander dobrou do semestre anterior para esse = R$ 2,0 bilhões; o Bradesco deu R$ 4,6 bilhões, enquanto que o Itaú bateu o recorde com R$

6,4 bilhões, com incremento de quase 40% em comparação com o idêntico período de 2009.

 

-- Pois é, não quero mais explorar você, meu caro. Posso publicar esse bate-papo na INTERNET?

 

-- Pode sim, citando a fonte, e caiu na gargalhada...

 

Um abraço de despedida selou mais uma visita àquele meu velho amigo.

 

Fico por aqui.

Em revisão.


 

 

 

ansilgus
Enviado por ansilgus em 18/08/2010
Reeditado em 24/08/2010
Código do texto: T2445962
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.