O PALCO DE CADA UM...
 
 




 
Na primeira vez em que subiu ao palco entendeu o sentido daquela experiência quase sagrada. Estudante de outra faculdade, abandonada meses depois, no tablado fez-se o encontro (ou seria metamorfose?).

Dois anos depois que os pés sentiram a madeira do teatro, sua vida passou a dar lugar a muitas vidas. Sentia o sangue pulsar quando as cortinas abriam. Ansiava até o último segundo por aquele instante onde o tecido aveludado descortinaria o mundo. A noção do tempo dissolvida. Uma hora ou um pouco mais? A eternidade habitava um único momento.

Sua fome de aplausos não era alimentada pela vaidade. Perseguia o reconhecimento a tal ponto porque acreditava ter sido todas aquelas mulheres (duas vezes representou um palhaço).  

A vida real esvaziava à medida que o teatro preenchia as lacunas de uma solidão cristalizada desde a mais tenra infância. Ela se considerava fruto de uma grande ausência. Fantasia ou realidade? Pouco importa quando alguém está perdido dentro de si. Um labirinto com apenas uma entrada que parece se fechar pelos desencontros do caminho entrecortado.

Em sua casa, mantinha um estranho hábito: cortinas fechadas. Detestava o dia. A luz ou qualquer claridade que pudesse confrontá-la com um mundo sem platéia nem personagens. Não tinha nada a dizer em entrevistas. Quem falava eram as personagens. E fora do palco os papéis emudeciam sua voz.

Entretanto, o público que aplaude é voraz. Quer mais. Dissecar a alma da mulher que não falava com ninguém a não ser profissionalmente.
A verdade pode ser dolorosa, mas muito simples. Quem sabe, a verdade seria esta...

Ela não sabia quem era. Nos diversos camarins refugiou seu segredo. A felicidade experimentada apenas quando outras cortinas se abriam, em terreno seguro, onde foi chamada por tantos nomes, em trajes diferentes. No teatro descobriu que sua vida era precedida por três sinais que indicavam a abertura das cortinas e então, aquela atriz, enfim, podia respirar. E ser o que nunca foi.







(*) Imagem: Google


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Dolce Vita
Enviado por Dolce Vita em 18/08/2010
Reeditado em 19/08/2010
Código do texto: T2445542
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