ROTEADOR

Ao abrir a porta ele estava ali, próximo ao portão. Olhava para mim. Paradinho. Não balançou o rabo e nem fez nenhum movimento com as orelhas. Nem sequer deu um latidinho, mas me olhava com simpatia. Sem querer intimidades com estranhos fechei a porta, contudo, aquela cara agradável ficou na minha memória.

Outro dia. Ao abrir a porta ele estava ali, próximo ao portão. Desta vez balançou o rabinho, mexeu as orelhas e virou o rosto de um lado para o outro de forma calorosa. Acho que retribui o gesto carinhoso, mas não passou daí, fechei a porta.

Após a noite vem o dia. Um dia de lindo sol. Abro a porta, ele está ali no mesmo lugar de sempre. Destravo a tramela do portão. Ele adentra. Balança o rabinho, as orelhas se movimentam em ritmo de alegria, ele me lambe, pernas, braços, até onde estava ao seu alcance. E parte.

Começa outras vinte quatro horas. Abro a porta e portão. Ele corre ao meu encontro, eufórico, deita no meu colo. Acaricio seu pêlo, conto do meu dia. Ele escuta. Nada fala, ouve, nem late.

A história se repete cada dia. O abraço da manhã, a lambidela carinhosa, o colo, o afago, o relato do dia. Agora ele interage. Late, rosna, querendo concordar, reclamar, consolar e conta também sobre ele.

Mais um dia. Ele não apareceu. Nem no dia seguinte, nem no outro dia. Muitos dias sem vê-lo, de repente ele aparece. Orelhas caída, triste. Sofreu com a impossibilidade do nosso encontro. Eu também sofri. Abraços, afagos, não compensava perder tempo com explicações. O importante era o agora. Viver o momento.

No dia seguinte ele veio, no outro também e nos dez dias que seguiram foi em vão esperá-lo. Sumiu novamente. Voltou uma ou duas vezes mais. Cada encontro muito carinho, muito afeto, instantes vividos intensamente.

Muitos dias se passaram ele nunca mais apareceu. Por que não mais voltou? Por onde anda este cão encantador? Incógnitas. Ninguém sabe ninguém viu.

Possibilidades. Será que ele foi atropelado no meio do transito intenso quando vinha ao meu encontro? Será que o seu dono incomodado com seus passeios matinais o prendeu em uma corrente? Será que ele tinha dono? Ou será que ele encontrou um dono? Ou foi a carrocinha que o levou para um abrigo?

Moral da História. Leve a sério quem lhe cativou. Ponha um roteador. Um localizador tipo GRPS. Tem um modelo tipo um celular ou então ponha um bracelete na perninha dele igual aquele que os presos usam no indulto ou em liberdade condicional. Não dê mole. Adote quem você ama antes que ele desapareça. Não deixe solto seu cãozinho, ele pode se interessar por alguém.

Maria Dilma Ponte de Brito
Enviado por Maria Dilma Ponte de Brito em 18/08/2010
Reeditado em 23/04/2020
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