7- A mediateca de Rueil e eu
Se voltar a ter algum dia fé nos afectos que a humanidade diz ter e que raramente ou nunca tem, isso só poderá vir a acontecer numa biblioteca, nunca num restaurante, nunca numa discoteca ou numa Igreja. Pensando melhor, tirando a biblioteca, devo acrescentar que isso também poderá vir eventualmente a acontecer numa volta de bicicleta ou num passeio a pé ou mesmo num banho de mar nas Poças ou numa leitura ou numa crónica que escrevo.
Por isso digo que não haverá nada que eu conheça neste mundo traiçoeiro e desleal que se compare à biblioteca de Rueil: é jovial, arejada e clara. Juro-o pela alma das minhas avós Palmira Salgado e Maria Deodata Raposo Taveira Moura: nem o sono, nem a comida ou o sexo me fariam deixar de sentir isso por ela.
Aqui alcanço o Nirvana da felicidade e sou seduzido minuto sim, minuto sim, sem deixar de continuar a sentir-me arrebatado pela paixão quando o calor da paixão necessariamente esfria: passo horas sem olhar para o relógio e as ideias surgem-me como só me costumam surgir no meu ponto mágico entre as Caldeiras e as Lombadas. Aliás, deixei, há meses, de ter relógio.
Passei aqui uma das melhores últimas tardes da minha vida desde que comecei a engatinhar na terceira parte da minha vida: meti conversa com as pessoas, as pessoas meteram conversa comigo, tirei fotografias, tiraram-me fotografias, tomei de seguida dois cafés, escrevi crónicas, ouvi música, li jornais, consultei e respondi a correio electrónico, troquei mensagens e falei com os meus filhos a três mil quilómetros de distância. Houve de tudo e tive tudo o que precisei para me sentir feliz nesta tarde. Ao sair, não resisti a ir namorar livros à excelente livraria aqui ao lado.
Deus, como me sinto bem entre livros e como me sinto nas nuvens entre livros com gente que gosta de livros como eu. Nunca poderia gostar de gente que gosta de andar de copo na mão numa discoteca. Ou que se comprime ao balcão de um bar. Ou que se prostra de joelhos numa Igreja.
Numa biblioteca, sim.
Se um dia ficar sem casa, gostaria de ir morar numa biblioteca. Bem vistas as coisas, já vivo numa casa que é biblioteca. Além da Preta, único ser vivo que mora comigo, vivo com os meus livros. E adoro, e mais adoraria ainda se os meus filhos estivessem mais comigo.
Além disso, só sinto pena de a de Rueil ficar a três mil quilómetros do número 37 da rua das Pedras.
Mário Moura
7 de Julho de 2010
Rueil Malmaison