Protegido
Sonhei que era um adulto bem sucedido, ao acordar lia o jornal, consultava o tempo, arrumava as roupas para dia, tarde ou noite, dependia da volta e do temperamento. Ao abrir o armário roupas de frio e calor, capa de chuva, guarda chuva, guarda sol, linha de pesca e anzol, blusas, botas, luva, cachecol, lenços, meias, gravatas de seda, terno de linho, camisas, camisetas. Tudo bem passado e separados, por cor, estação, novas, velhas e até as que iam para doação.
Ligava o rádio com o som bem alto, para poder escutar sobre o maldito trânsito e ia para o chuveiro, banho em cinco minutos, dez se fizesse a barba, para não gastar muita água, antes de entrar ligava a cafeteira, previamente preparada na noite anterior, ao vestir a roupa tomando o café fresquinho, ligava a TV para ouvir se não havia nenhuma greve, rebelião, assalto, sequestro ou algum tipo novo de violência gratuita, precisava estar preparado, pois a vida não é fácil.
Durante o dia ficava de olho nas cotações, bolsas de valores, câmbio, fundos, índices econômicos, tinha que ficar atento, podia perder tudo a qualquer momento, coração acelerado, ganhava, perdia, mas no fim disso tudo o dinheiro crescia. No almoço comia um lanche, senão a dor de estômago me matava, pensava em procurar um médico nessa hora, me sentia frio, suava, mas sempre passava, depois eu irei, eu pensava.
Corria para o escritório, debaixo de um sol que torrava, encontrava o elevador cheio e subia pelas escadas, retirava a gravata no caminho, colarinho todo molhado, entrava porta adentro e me sentia no paraíso, ar condicionado fresquinho, água gaseificada e gelo a vontade, tudo do jeito que eu sonhava, menos os espirros mais tarde.
Telefone começava a tocar, e-mail chegando, confirmava compromissos, remarcava imprevistos, atendia celular, escrevia no Twitter, Orkut, Facebook, o Messenger sempre aberto, conferência no Skype, pensando no chegar em casa para continuar minha Pós-graduação online.
Dentro do meu escritório minúsculo, não me sentia sozinho, contava com milhões de amigos na frente do meu PC. Secretária para quê, eu pensava, era mais uma despesa que economizava. Nunca usei office-boy, nem mesmo ia ao banco, contas no débito automático, compras entregues na portaria, frutas sempre fresquinhas que o mercado mesmo escolhia.
Mas hoje me senti estranho na hora de sair, estômago doeu, mas não tinha fome, pescoço endureceu, braço adormecendo, o peito doeu de um jeito que me fez gritar de imediato, mas o som não saiu, a impressão é de que a garganta secou e a língua dobrou de tamanho. Nunca desejei tanto alguém junto de mim, seria derrame ou infarto, não interessava, só me arrependi de estar sozinho no meu fim.
De olhos fechado ouvi a porta abrindo, senti o calor da luz acesa nas pálpebras, senti a vibração dos passos de alguém aproximando-se, até que uma voz disse firme e convicta: "acorda e levanta". Abri os olhos rapidamente, todo suado, ofegante e ao olhar para cima vi um gigante, forte, esbelto, todo de branco, de braços abertos, me estendendo a mão e logo após pegando-me no colo, abraçando de um jeito tão terno, que gostaria que o abraço fosse esterno.
Ele me disse, agora está tudo bem, calma, abracei-o mais forte, as lágrimas rolaram, tudo bem?, balancei a cabeça que sim, o que lhe afligia acabou, tudo foi apenas um sonho com final ruim, minhas lágrimas pararam e senti sua mão enxugando e acariciando meu rosto, você sempre será meu menino e quero que me prometa manter para sempre seu coração de criança, concordei balançando a cabeça, ele me deu um beijo e disse, agora durma em paz.
Foi saindo de mansinho e antes que ele acabasse de fechar a porta eu disse bem alto, PAI, ele me fitou com seus olhos brilhantes, um sorriso do tamanho do universo e com aquela sabedoria que só os pais têm disse, eu já sei filho, fechando a porta devagarinho: "Eu também te amo"!
Joakim Antonio