CAPÍTULO XIII - Diário Poético-Sentimental de Uma Greve: Curiosidades, Emoções e Poesia na Greve do Judiciário Trabalhista Mineiro
Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio,
paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.
Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.
(Carlos Drummond de Andrade)
O ato do dia 20 aconteceu em frente ao prédio do Tribunal do Trabalho, na Avenida Getúlio Vargas, e contou com a presença de 450 servidores. Os melhores momentos desse dia se concentraram na releitura da mensagem enviada pelos servidores de Teófilo Otoni aos colegas da capital e na fala do companheiro Antônio Carlos, mais conhecido entre nós pelo apelido de “ovo”.
O colega “ovo” é muito animado e sabe como ninguém se dirigir e prender a atenção de uma grande quantidade de pessoas. Sabe também como e onde tocar nos nossos sentimentos. Grande parte do que ele diz parece refletir exatamente aqueles pontos sobre os quais cada um de nós já sentira ou estivera refletindo um momento antes. É como se ele conseguisse se colocar em sintonia com os nossos sentimentos e meio que adivinhando aquilo que queremos ou precisamos ouvir.
Na sua fala de hoje o Antônio Carlos abordou a questão mais importante da greve: a palavra é solidariedade. Falou da solidariedade tanto entre os servidores em greve quanto em relação àqueles que ainda não o estão. Falou sobre o respeito, a dignidade e o valor humano que cada trabalhador tem que ter para consigo e em relação às atividades do seu trabalho e aos outros colegas.
Abordou as questões do individual e do coletivo e a junção e a mistura entre elas. Citando o escritor e filósofo francês Jean Paul Sartre, comentou que o ser individual só se realiza plenamente no coletivo. Disse ainda que os demais servidores – exatamente aqueles que ainda não puderam ou não ousaram descer para a greve por medo de abandonarem os seus casulos – precisam criar coragem e deixar para trás o que lhes vem retendo ou impedindo de aderir ao movimento.
Lembrou-nos, porém, que em nada somos superiores ou melhores do que aqueles que ainda não deixaram as suas salas de trabalho e que o medo é um importante fator componente da vida humana. Inúmeras vezes é o medo de fato o que nos mantém vivos e intactos. Mas que o medo não pode ter o poder de nos manter enclausurados em nossas torres de cristal.
Refletiu, finalmente, sobre como é difícil e cansativo participar de uma greve. Que em verdade o que ele - e igualmente o que cada um de nós! – gostaria de fazer naquele momento era estar exercendo as suas atividades ao lado dos demais colegas no local em que trabalha. Mas que isso às vezes não se torna possível, como acontecia no presente caso.
Para terminar, comentou que esperava poder transmitir todo o seu sentimento de dignidade e valorização do humano para o seu próprio filho que nascera recentemente.
No final dessa manifestação - e como em todas as demais que a precederam – nós nos demos as mãos e, com orgulho, cantamos o Hino Nacional.
Últimas considerações do dia: o Distrito Federal (Brasília) definiu que vai aderir à greve (através de votação) no dia 25, se até essa data o nosso plano de cargos não tiver sido encaminhado nem houver obtido qualquer outro tipo de solução. Não sei o que aconteceu para manter os colegas de Brasília fora do movimento até a presente data. Existem duas versões para esse fato. De qualquer maneira e seja qual for a verdadeira, penso que eles já deveriam estar em greve junto com os demais Estados. Este fato teria o condão mágico de acelerar os entendimentos entre os trabalhadores do judiciário e o governo. Possivelmente já estaríamos até numa fase mais adiantada da negociação. Afinal, Brasília tem aproximadamente dezoito mil servidores dentro das categorias do Judiciário e do Ministério Público da União (MPU) e eles se encontram bem no centro do poder..
Amanhã, sexta-feira, a greve completa duas semanas: é o dia da nossa primeira passeata. Os servidores sairão da porta do Tribunal Regional Eleitoral e se encaminharão até o edifício-sede do Tribunal Regional Federal. Gostaria de poder participar, mas amanhã é o meu dia de atender ao público dentro da escala de revezamento adotada por nós no balcão da Secretaria.