Que Cavalos São Aqueles Que Fazem Sombra no Mar?*
Não me sai da cabeça há dias esta frase - título do livro que estou lendo. Faz frio lá fora, aqui dentro também. Acordei tarde, são duas e meia, mas as horas não importam. Coloquei o cordeiro, que havia temperado na noite anterior, no forno. Ela acordou, ouço seus passos sonolentos descendo os degraus da escada, e faz um comentário qualquer sobre o aroma vindo da cozinha. São três e vinte cinco da tarde, mas as horas não importam. Secamos uma garrafa de vinho no almoço e fomos assistir a um filme. Rimos, namoramos, e ficamos ali embaixo de grossa coberta, engraçados. Que cavalos são aqueles que fazem sombra no mar? Abro outro vinho, o filme está acabando. É a segunda vez que assisto a este filme, poucos filmes ganham na revisão. É a terceira vez que leio este livro, muitos livros ganham na releitura. Ela me acompanha até a metade da garrafa, adormece. Que cavalos são aqueles que fazem sombra no mar? Que cavalos são aqueles... Ecoa. Levanto-me devagar para não acordá-la, venho para cá, abro a janela e deixo entrar o ar frio. Observo o ar fazer a fumaça de cigarro dançar, e me dá vontade de escrever isto aqui. A taça cheia, o cinzeiro cheio, a cabeça cheia. Quase feliz. Fazemos sombra em qual mar? Fazemos sombra? Que cavalos são aqueles...
Ela acorda.
- Vem cá, resmunga baixinho.
São nove e meia da noite, mas as horas não importam mais. Que cavalos são aqueles que fazem sombra no mar? Acabou o vinho.
* Título do livro de António Lobo Antunes. O maior escritor vivo, na minha opinião.