“Eu dei uma chance à paz...”
Antonio Otávio foi quem introduziu a arte do boxe na cidadezinha de Itabaiana, nos idos de 1960. Aprendeu a lutar por instinto, depois pegou algumas lições com um pugilista em fim de carreira que apareceu por lá e ganhou fama de rei do ringue. Fazia lutas de exibição nas tardes domingueiras, no ginásio local.
O guerreiro Antonio Otávio também exercia a função de barbeiro, essa uma arte em que o nobre lutador não era considerado um ás. Invariavelmente cortava a cara do freguês, a ponto de botarem um nome de fantasia em sua loja de barbeiro: “Salão Sangue e Espuma”.
Entre ganchos, diretos, navalhadas e espumas, Antonio levava a vida, sonhando com o dia em que iria enfrentar Eder Jofre, o grande campeão do boxe brasileiro naqueles idos. Foi quando aconteceu uma grande mudança em sua existência. Conheceu moça evangélica e aderiu à fé protestante. Deixou de lutar, mudou suas relações sociais, aprendeu a ler para decorar os versículos bíblicos, comprou paletó e gravata e virou diácono da Igreja Batista. Morria o grande campeão e nascia o evangelista.
Mas a carnificina continuava na barbearia de Antonio Otávio. E, apesar de tudo o que deixamos de ser, sempre aparece um diabo para nos lembrar da nossa vida pregressa. Surgiu na pessoa de Firmino, um caboclo mal encarado e metido a brabo, das bandas de Maracaípe. Sentou na cadeira do barbeiro e foi logo ofendendo:
– Corta aí minha barba e vê se não corta minha cara, senão vai levar bolacha, que barbeiro é profissão pra fresco. Quem alisa cara de macho, pra mim é tudo fresco!
Antonio Otávio apelou para a Bíblia:
– Tenho-vos dito isso, para que em mim tenhais paz, no mundo tereis aflições, mas tende bom ânimo, eu venci o mundo – João 16.33.
Uma gargalhada sacudiu a pança do debochado e incréu Firmino das Onças. Mas não foi por isso que ele perdeu a dentadura. Foi por efeito de um tabefe tão cachorro da moléstia que Firmino deslocou-se diretamente da cadeira de barbeiro para a calçada na “Rua do Meio”, vítima de um soco movido pela ira do divino.
– Eu dei uma chance à paz – disse Antonio Otávio, com saudades dos tempos de boxista praticante.
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