O vôo
Saiu correndo do consultório. A sensação de solidão e desemparo era insuportável. Não pensara que um simples exame desencadearia tantos sentimentos. Não, não tinha acompanhante. Não, não poderia fazer o exame sedada. Não, não aguentara realiza-lo sem sedação... Entrou no carro. O ar quente do interior do veículo parecia lhe queimar os pulmões. Chorou. De soluçar. Sentia-se envergonhada. Vergonha por transparecer uma fraqueza tão interna, tão sua, a uma médica desconhecida. Sentia-se mal por ter, chorando, pedido o atestado - não suportaria ir trabalhar naquele dia.
Minutos se passaram. Permanecia dentro do carro. O nariz vermelho, a pele estranha. Pensou em passar maquiagem. Para quem? Quem a veria naquele estado? Novamente, pensou em todos os amores não vividos, as escadas não desbravadas, as portas não abertas, as portas fechadas. Pensou no último namorado. Quase quatro meses. Terminara por não ter se envolvido ou por medo? Não sabia. Desconhecia sentimentos. Era ignorante nessa área. Sempre causara dor. Nunca levara um fora. Mas a dor de quem dispensa é até maior que a do dispensado. Não se sabe se, ao dispensar, a chance da felicidade foi jogada fora. Ele era alto, claro, barba bonita, cabelo sedoso, forte. Do jeito que ela sempre quis. Mas não fora ele. Pensou em telefonar, mandar e-mail. Mas já haviam se passado três meses. Respirou fundo. Pensou em Deus. Pensou que havia sido esquecida. Lembrou-se de sua mãe. Quis ligar. O choro voltou. Com mais força. Não queria estar solteira, sozinha, solitária. Pensou que todo mundo passara por momentos de solidão. Pensou que muitos problemas seriam maiores que o seu. Tentou se sentir aliviada com isso, mas, o tamanho do problema é medido em escalas personificadas. O seu, parecia não ter fim. Dilacerava seu coração.
Finalmente, suspirou. Um suspiro longo, profundo. Entorpecida, observava os galhos das árvores balançando. Sem se mover, levantou o olhar. Pela janela, viu que uma mulher trabalhava de branco. Moveu os olhos mais pra direita. Um pássaro, sim, um pássaro tentava sair pela janela de vidro ao lado da moça trabalhando. Várias foram as tentativas. Observava. Teve vontade de tocá-lo, segurá-lo. A moça se levantou. Pegou o pássaro. Levou para dentro. Voltou com mais três pessoas. Todos sorriam. Abriram a janela. Todos sorriam. Soltou o pássaro. Sorrindo. Colocaram a cabeça para fora da janela. Sorriam. Para aquela garota, um vida fora libertada. Para a garota do carro, a vida era mesma. E ela não voava pela janela.