Mea Culpa

*Paulo tem quase 5 anos. Ontem, depois de uma incursão com um grupo de amigos pelo Bloco 10, voltou com um galo feio na testa.

A despeito das chacotas que fazemos de que ele é o chorão da praia, não costuma ser mofino diante dos pequenos infortúnios próprios da tenra idade. Tanto que toma vacinas e injeções avisando logo que não vai chorar, pois trata-se apenas de uma picada de formiga e no máximo vai emitir um discreto ai.

O pranto, via-se, não era espontâneo, mas fomentado pela gravidade que os próprios amigos pareciam imprimir ao fato, provavelmente sentiu algo distinto da reação que costumava captar diante das menos graves desditas anteriores. Tanto é que vez ou outra cessava o choro e olhava confuso para cada um dos companheiros, buscando subsídios a veredicto menos preocupante.

Questionado por mim acerca do ocorrido e diante da resposta dos amigos de que ele havia caído, Paulo se apressou em relatar o acontecimento, cuidando de encontrar o verdadeiro responsável e, claro, eximindo-se inteiramente de qualquer culpa.

Primeiro, afirmou categoricamente que a culpa era exclusiva de Leando, o amigo mais chegado. E o argumento era forte: Ora, se estavam jogando bola e o chute de Leandro provocou um desequilíbrio e ocasionou a queda, ele era sem dúvida o réu.

A reação da turma foi imediata e em uníssono tratou de tomar partido por Leandro: Como jogar bola sem chutá-la?

Diante da defesa inconteste, a saída foi arrumar logo outro culpado. Nesse caso, uma culpada. Claro, como não? A bola! Ela, sim, deveria ter braços e aplicar um soco bem no meio da cara de Leandro.

Todos se voltaram surpresos, arguindo que socar o rosto de alguém em qualquer circunstância e, principalmente, se tratando de um amigo é algo violento e inaceitável.

Foi assim que o nosso pequeno personagem se deu por vencido e humildemente reconheceu de uma vez por todas que não houve culpados. Afinal de contas, como já reza o adágio, o que vale mesmo é a política da boa vizinhança. Além do que é sempre bom ter um amigo com quem jogar e em quem, ocasionalmente pôr a culpa, ainda mais se ele for o dono da bola.

*Paulo é meu neto querido.