MORAL DE HISTÓRIAS
- Hoje estou inspirado e vou escrever! Falou Bud para meu filho Mario que, sempre conciso, incisivo e, normalmente, atrasado, saia com pressa, mas não com tanta pressa que não lhe desse tempo para a prática de mais um tiro de sua excelente e irônica pontaria:
- Veja se escreve alguma crônica que preste, só para... hum... quebrar a rotina desta insigne redação jornalística. Não só... insigne, como... ficante :
Por outro lado, o filho Giulio, mais novo, bem falante, porte de atleta, coração de poeta, não deixou por menos:
- E separa muito bem os entes imaginários dos entes sensíveis; os imaginários existem na sua realidade, interna; já os outros se originam fora de você e independem de fantasias medíocres, de medíocre... mente!
Eu, que não podia consentir na usurpação da minha autoridade redacional - e ainda por dois fedelhos! - dei a última palavra:
- Nenhuma limitação, Bud! Solta o pensamento, bem longe, nas asas do vento! –
Quando é que eu vou ficar sabendo quem é que manda nesta augusta família, ó Deus!... – resmungou o Bud e sentou-se à máquina de... costura!
- Alinhavando seus pensamentozinhos é? Disse eu, a mais mansa da família.
- Ora Amália...
- AMÁLIA??!!
- NÃO! Sim... sim... ora! Você confunde-me.
E, sentando-se, desta feita à frente da máquina certa, de escrever, escreveu:
Era sempre com muito orgulho, alisando os eriçados bigodes negros, que o dono da Padaria "Escola de Sagres” proclamava aos amigos, enquanto ia trabalhando:
- É bem verdade, pois que descendo, em linha direta, do famoso escrivão da armada de Pedro Álvares Cabral, Pero Vaz de Caminha... (com suas licenças!):
- Põe três pães no saco para o Coimbra, ó Amalinha!
- sim “senhoire”.
Nesse pedaço ele fazia uma pausa estratégica, sob os olhares admirados dos circunstantes, para continuar, em seguida:
- sabem os senhoires, poix não, que a família foi acumulando foi acumulando fortuna imensa, em sesmarias, cartórios e engenhos. Ao falecer um meu antepassado, de nome Vaz. S. Ourada, herdeiro universal de todos aqueles bens, espantaram-se muito os seus doze filhos, uma vez que, na... (com suas licenças)
– Ó Amalinha, seis pães no saco para d. Sofia!
- sim, “sinhoire!”...
... abertura do testamento, ele declarava ter usado toda a fortuna para reaver um documento histórico.
O falecido trocara toda a imensa fortuna por um... envelope. UM SÓ ENVELOPE: A CARTA DE CAMINHA :... que valeria... (com suas licenças!)
– Um pão grande no saco para o Alberto, ó Amalinha!
- sim, “sinhoire”!...
... cem vezes mais! De fato!
- E de lá até cá nunca houve briga entre as famílias, para a venda do documento?
- Pois nunca jamais! Em todos os cruzamentos com outros nobres, os Vaz S. Oureiro, os Vaz TI Dão, os Vaz S. Ourinha, os Vaz A. Los, os Vaz Helina, nunca houve desentendimentos... (com suas licenças!)
- Dois pães no saco para a Das Dores, ó Amalinha!
– Sim, “sinhoire!”...
... e digo mais, com a repentina pobreza, todos os doze puseram a mão na massa; como podem ver, ainda há muitas padarias lusas boas por ai.
Só muito mais tarde, com o primeiro divórcio no clã, houve um problema com a custódia do documento. O tio Joaquim, que se divorciava da tia Quitéria, tinha mais três irmãos, de forma que os herdeiros... (com suas licenças!):
- Cinco pães no saco ao Augusto, ó Amalinha !
– Sim, “sinhoire!”...
... eram quatro, mas a tia Quitéria resolveu tudo a contento. Antes de viajar, a título de espairecimento, pois que se aborrecia com a separação, levou o documento, deixando uma fotocópia ao ex-marido e mais uma a cada um dos cunhados. Ninguém mais soube dela, a pobrezinha!
- Pronto, falou Bud. Agora só falta a moral da história. Qual você arriscaria?
Li e reli a crônica. Aventurei:
- A cabra nunca toma bem conta da horta?
- Nã-nã-nã-não !
- O que Deus uniu não convém separar?
- Nem por sonho! Tente outra vez.
- Quem tudo quer nada tem? – Muito menos!
– Desisto. Diga logo você qual é a moral da história.
- De pão em pão, AMALINHA ENCHE O SACO!!!