A Magia do Sábado à Noite ou RaFromHell Seduzindo no Busão

Sábado à noite. É o dia em que os portões do inferno se abrem e as almas malditas saem para se divertir. Quem não tem uma história interessante pra contar de um sábado à noite maluco, imprevisível, insano, fatídico?

Invariavelmente - ressalvo que temos uma sexta-feira para competir -, é o dia em que os donos de bares mais faturam. Que os donos de casas noturnas faturam infinitamente. Em contraponto e como lenitivo, o domingo é o dia que as farmácias mais faturam e a televisão tem mais audiência daqueles que sofrem com a ressaca, tanto física como moral.

A paquera come solta. Com o álcool e com a euforia, pessoas tímidas ficam mais corajosas, desinibidas. Descaradas, ousadas. Com o álcool, as coisas ficam mais fáceis; barreiras são quebradas, fronteiras deixam de existir. Não existe feio ou bonito. O bom-senso deixa de existir. Respeito? Humpf.

Sábado. Bem tarde do sábado, quase domingo, já. A noite mais fria do ano - pelo menos a noite que eu mais estava agasalhado e mais passei frio. Eu e mais dois amigos, o Milso e o Porco, voltando da festinha de aniversário de 1 ano do filho da nossa amiga Jéssica.

(Parabéns, Pedro!)

Não bebemos. Só guaraná. Comi infinito, espirrei virado no capeta e eles se divertiram do jeito deles. Tudo transcorreu às mil maravilhas. Logo nos despedimos pois corríamos o risco de perder a maldição do ônibus pra voltar pra casa.

Na última fileira de bancos do ônibus (aquela mais alta), estávamos posicionados da seguinte forma: eu no canto direito, de frente pra porta, (pula um banco) o Milso no meio (pula outro banco) e o Porco no outro canto.

Aquela avenida que tem um monte de casas de shows. Robério dos Teclados. Aviões do Forró - esses são os mais famosos. Então o nosso querido bólido pára num ponto e sobe uma galera, advinda desses eventos de música legal.

A gente já olha um para a cara do outro ao escutarmos risadas femininas. É o radar. O instinto. O que for. Enfim, aí um casal senta na frente do Porco e duas mulheres na frente do casal e mais outras duas mulheres no banco ao lado dessas últimas - as quais eu não pude dar aquela avaliada com o meu olhar clínico.

Nada de realmente interessante. (Tá, estou sendo bonzinho pra caralho). A única que chamava a atenção era justamente a mulher do cara, este com cara de poucos amigos ao perceber a nossa muda constatação. Disfarçamos e voltamos à nossa vida introspectiva.

Dez minutos depois.

Eles descem no ponto da praça. Praça do Forró. Tudo é forró, forró, forró. Meu cu. Eles: o casal e as duas mulheres do banco da frente. Desceram. Fazia um frio miserável e meu nariz tornando minha vida um inferno em particular.

Então a mágica do sábado a noite acontece.

As duas remanescentes do "forró" se levantam para descer no próximo ponto. Eu lá fazendo das tripas coração com o meu nariz escorrendo infinitamente com um pedacinho minúsculo de papel e percebo alguma coisa acontecendo.

As duas em pé na frente da porta. Uma mais adiantada que a outra. O farol fechado. Então a que tá atrás cochicha alguma coisa no ouvido da outra e esta olha pra mim, ri, e devolve por cima do ombro o cochicho no ouvido da primeira. E decididamente, a primeira, mulher de maquiagem carregada e de cabelos negros, olha pra mim. É olho no olho.

(Eu coçando o nariz).

Olho para os carros da concessionária que manda as notas fiscais mais horrendas que eu analiso no trabalho. Olho prum cachorro dormindo todo enrolado, com o focinho quase no cu, tremendo de frio. Coço o nariz e ele escorre mais um pouco. Daí eu olho de novo pra tal mulher.

Ela continua olhando pra mim com o mesmo olhar de desejo. Olho para os meus dois amigos. Distraídos em seus pensamentos nem perceberam o que acontecia. Olhei pro meu reflexo no vidro que estava na minha frente.

Minha conta negativa, meu nariz escorrendo, chegar em casa e não ter nenhuma porcaria pra beliscar na frente do computador, um início de dor de cabeça de tanto espirrar, uma vontadezinha de voltar a trabalhar. E aquela mulher me olhando.

O ônibus pára, elas se adiantam nos degraus e eu dou uma risada pra mim mesmo e eles olham pra mim com cara de "o que foi retardado mental?" e eu balbucio "mano" e espirro e olho pro lado de fora. A mulher dos cabelos negros continua me olhando e eu abro um sorriso - o meu melhor sorriso - e aceno pra ela, dou um tchauzinho. Ela se abre toda e corresponde ao meu aceno.

O ônibus segue sua marcha, eu olho pro meu reflexo de novo. Eu olho no meu olho e fico me indagando o porquê do desajuste cósmico. Alguma coisa só podia estar errada.

Ela, a mulher dos cabelos negros, sem sombra de dúvidas, é a mulher mais feia que eu já vi na vida!

Rafael P Abreu
Enviado por Rafael P Abreu em 15/08/2010
Reeditado em 15/08/2010
Código do texto: T2438858
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