Esta giesta que me cheira a mar

Oiça-se esta Giesta enquanto se sente ‘Don’t Give up’ de Peter Gabriel e Kate Bush:

‘Esta canção fala da verdadeira amizade entre duas pessoas e de como essa amizade pode ser encorajadora nos momentos mais difíceis da vida.'

Esta giesta que me cheira a mar

Lancei à terra um pé de giesta que em vinte e cinco anos tocou o céu e me cheira a mar quando dá sombra em Julho.

Gosto de me sentar debaixo dela em cima de uma mó de moinho.

Quando levo desordem, trago invariavelmente de volta ordem e calma. É a minha giesta.

Poderia cheirar-me a ribeira, à que passa quase ao lado, a terra, onde se firma e ergue frondosa, mas cheira-me a mar.

Aturdido ainda do pesadelo, dou por mim a ver um Kota a dois credos do malogro de uma vida: vejo alguém que sobreviveu à tempestade depois do soco, sem ainda avaliar ao certo o alcance dos danos.

Dá-me vontade de vomitar quando digo isso, até porque não sei se no futuro vou voltar a sentir isso, mas a verdade é que para não morrer, tive de afogar o amor como vi afogar ninhadas de gatos na vala da ribeira e tive de esfolar viva a paixão como vi esfolar coelhos mortos.

Entretanto, enquanto as cicatrizes não saram e as brasas não arrefecem, a giesta soprou-me alguns conselhos úteis.

Antes, porém, é bom dizer que em nada do que a minha avó me disse, dizia isso, nem em nada do que o meu professor na primária disse, dizia isso, ou da catequista, ou do padre, ou dos professores do liceu ou dos da universidade, nem dos que me rodearam no dia a dia, nem nos milhares de livros que li: Em nada disso dizia nada.

Haviam-me feito a cabeça na adolescência, tempo de todas as ilusões, de que o amor era eterno: a giesta, essa sim, disse-me de peito aberto que mais valia acreditar em contos de fadas cor-de-rosa do que acreditar em balelas e, conselho de giesta grata por lhe ter dado a vida, já agora seria bem melhor esperar sentado.

Haviam-me prometido fidelidade: a giesta disse-me que seria bem mais útil acreditar em filmes de Hollywood tipo Tarentino ou em lobisomens ou em outras coisas mais que ninguém jamais acreditou do que acreditar em filmes de Hollywood com finais felizes.

Haviam-me jurado compreensão ou algo no género: a giesta fez-me ver que por amor de Deus ou do Diabo, escolhesse o que me aprouvesse, me deixasse daquilo ou de pirilampos porque daquilo e de pirilampos estava a vida dos ingénuos infestada.

Por fim, a giesta disse-me apenas: deixa-te de tretas, não ligues, segue o teu caminho, inventa o teu futuro.

Será por isso que a giesta cheira a mar, ao mar inicial que me fez voltar ao futuro, à terceira parte da minha vida?

Escrito sobre o Atlântico entre São Miguel e a cidade do Porto

Mário Moura

5 de Julho de 2010

Mário Moura
Enviado por Mário Moura em 14/08/2010
Código do texto: T2438209
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