Meditações Meditabundas

O que faço diante desta máquina, enquanto o mundo lá fora não para de acontecer? Vejo um céu de inverno, sem nuvens, límpido e seco, tudo seco. As coisas da vida perpassam diante meus olhos irritadiços, fatigados. Meu corpo sente o cansaço dos trinta anos.

Não tenho casa, não tenho carro, não tenho filhos, nem mulher. Com alguns trocados na carteira e uma profissão a seguir, sou um cidadão do universo, perdido como todos os outros. Uns mais, outros menos, esta e a vida que nos foi concedida sem que sequer a pedíssemos. Mas tudo flui, de qualquer modo tudo flui.

Os riachos, as lagoas, as dores e mágoas, as crianças maltrapilhas debaixo dos viadutos, o velho faminto e doente, sem herdeiros ou parentes próximos, a prostituta da Rua Augusta, que deixou Alagoas em busca de emprego que a possibilite ajudar a família miserável deixada no rincão do sertão rachado, divagando sozinha em seu quarto de pensão sobre o quanto teve que penar para conseguir o dinheiro que manda todo mês aos irmãos e à mãe debilitada. E o pedreiro, o relojoeiro, o carpinteiro e o marceneiro, todos aprisionados dentre de seus questionamentos existenciais, sem se importarem com o ontem ou o amanhã. O que lhes importa é o pão de agora, a vida árdua do dia a dia.

Quantas vezes se sentiu sozinho no mundo? Quantas vezes sentiu sede ou fome de verdade? Algo que remonta aos primórdios de nossa composição animal. Quantas vezes sentiu vontade de desaparecer de vez? E quantas vezes se estremeceu diante a iminência da morte?

Pois saiba, são coisas assim que fazem os homens, no sentido mais extremo da palavra. Homens de profundeza racional, pois somente quando a solidão ou os limites da existência interpelam é que sentimos na carne o quanto vale a pena viver.

Em diversas ocasiões senti um calafrio ao ver um idoso amargurado dentro de sua própria composição decadente. É preciso aceitar a velhice, se preparar para isso, pois, caso contrário, a dor é incomensurável. A vida é um misto de dor, calmaria e prazer. Os três se complementam, caso contrário não coexistiria mutuamente. É preciso suportar a dor para se beneficiar a contento do prazer, e meditar nos momentos neutros.

Mundo vasto, vasto mundo, não me chamo Raimundo, mas me condôo com todos os Raimundos do mundo imundo. Somos todos um só, frutos da mesma composição, homens destinados à desintegração e à morte.

As guerras, as fomes, as desigualdades sociais, as anomalias, psicopatias, neuroses e demais ramificações dos males do mundo moderno... Os homens se capacitaram durante séculos para se doutorarem na arte da destruição. Construíram suas engenhocas letais com o fito de destruir adversários. A racionalidade exacerbada é um mal imposto ao homem para se curar de si mesmo, se aniquilando mutuamente. É a ordem do caos. O homem de fato é o câncer do mundo.

É fico aqui parado esperando que os ponteiros do relógio indiquem a hora em que terei de partir. Enquanto isso, uma missão a cumprir. A missão de tudo e de todos, a missão de persistir, de existir um pouco mais, de respirar e ver as coisas ao redor, e de falar com as outras pessoas e sentir o prazer do gosto dos alimentos, saciar a sede quando vier, e rir, e amar..., e viver, simplesmente viver, pelo menos um pouco mais...

Cristiano Covas, 27.07.06.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 14/08/2010
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