Pai, um Amigo, um Herói

Certa ocasião, homem já maduro, visitei um primo muito amado. Em longas e gostosas conversas, rememorando nossa infância, eis que de repente o primo me conta em segredo que, quando menino, achava que seu pai era Deus.

Naquele momento, em meio a tantas boas lembranças, inclusive a de que tínhamos vivido parte de nossas vidas numa pequena ilha no Estado da Bahia, onde só existia uma casa e uma pequena Capela, não me dei conta da grandeza daquele sentimento tão puro de uma criança. É certo que o pai dele, já falecido, era um homem grandalhão e impressionava qualquer um pelo seu tamanho, e fiquei certo de que meu primo apenas se deixara atemorizar por tão bizarra figura.

Hoje, mais velho um pouco e lembrando-me novamente do velho Hugão, com seu típico vozeirão, a fala fácil e simpática, sempre sonhando com um mundo cheio de encantamentos, foi que entendi que para nós crianças o Hugão só poderia ser Deus mesmo!

Hoje, com o olhar experimentado de quem percorreu longa estrada, com poucos sonhos, vejo o pai do meu primo nas suas reais dimensões, como qualquer criatura humana: capaz de grandes bondades, mas igualmente capaz de grandes maldades; frágil nos acertos e nos erros, enfim, apenas um homem.

Resta saber se devemos olhar nosso pai como herói ou como amigo. Se olharmos como herói, corremos o perigo de nos decepcionar, porque o herói só vence e é aí onde reside nossa ilusão.

Vendo-o como amigo, mesmo que ele fracasse, podemos sempre entendê-lo e até mesmo recorrer ao perdão. De um amigo tudo se releva.

Mas há quem diga que um pai não pode ser amigo de seus filhos, pois isto atrapalharia no processo educativo. Será verdade? Não sei e suspeito que ninguém saiba.

Este o mistério que gostaria de desvendar: pai-amigo, pai-herói, ou, simplesmente, pai?

Por enquanto, vou ficando com a imagem de meu pai, cuja bondade jamais vi igual, ressoando nos meu ouvidos de criança e de adulto o que ele sempre disse e continua a dizer, pois continua vivo, graças ao bom Deus, com seus 89 anos bem vividos: " meu filho, a minha religião é a tolerância... "

Nota: Esta singela crônica foi publicada pela Editora Litteris, em 2001, em concurso literário homenageando o dia dos pais. Não consegui transmitir toda a grandeza de meu velho pai, que faleceu em 2002, aos 90 anos. Gilberto Dantas