CRÔNICA – Saudade – Meu último adeus

 

            O corre-corre de minha profissão jamais deixou que pudesse fazer amigos. Falo daqueles verdadeiros, desinteressados, como se fora irmãos, todavia isso era impossível... Você vale até quando o seu poder possa influenciar.

 

            Ontem perdi um desses camaradas do peito, de fé, homem de bem, um gaúcho macho como aqueles dos velhos tempos: Getúlio, Jango, Brizola e outros, isso para não me alongar.

 

            Pois bem, se antes de ontem estava contente, comemorando o aniversário de uma filha num restaurante, tomando meu uísque animado e sossegado, tudo mudou, sinto-me tristonho, meio apagado, eis que da minha mente não tem jeito de sair a lembrança do meu guru Pedrosa, homem com “H” maiúsculo.

 

            O interessante de tudo isso é que nos conhecemos de uma maneira inusitada. Lembro-me bem do dia. Estava à frente da minha casa de praia, que é vizinha à dele, quando me falou que “não gostava de mim”, isso de maneira muito séria...entrei e me recolhi a minha insignificância.

 

            Pela primeira vez na vida havia levado desaforo pra casa, entretanto, como nordestino dos seiscentos diachos, no dia seguinte criei coragem e fui até a sua morada, confesso meio nervoso, até porque a família dele é só de militares, por sinal exemplos vivos para quem quiser aprender o significado do uniforme que vestiam e ainda usam.

 

            Um toque na campainha...de repente ele veio ao portão. Estou com sorte, pensei. – Bom dia senhor Pedrosa! – Bom dia Ansilgus, o que o senhor deseja, perguntara aquele senhor meio sisudo. – Sabe, ontem você me falou uma coisa que muito me está martelando e nem consegui dormir. – É aquilo mesmo o que eu disse, e pronto! – Mas por que, o que lhe fiz para encaixar esse ódio no coração? – Desde o dia em que ouvi o senhor dizer umas coisas com umas meninas que estavam querendo alugar sua casa por uma temporada. – Mas o que eu disse mesmo? – Que gatas maravilhosas, etc., etc., etc.. (não fica bem aqui reproduzir o resto).

 

            -- Senhor Pedrosa, mas elas não ouviram nada, pois já estavam dentro do carro indo embora! O senhor está tomando as dores que não existiram, meu caro, e se por acaso elas tivessem ouvido o que falei decerto que iriam gostar, pois não sou de jogar fora...se pelo menos fossem parentas do senhor, tudo bem; você quer ficar meu inimigo, mas eu não aceito isso, inobstante não haver uma maneira de obrigá-lo a ser o inverso. – Você tem certeza de que não ouviram? – Claro que sim e além do mais eu não sou menino para numa visita comercial espantar alguém interessado em alugar meu imóvel.

           

            Aguardei um instante, calado, mudo. -- Sabe, gostei de você ter vindo aqui, pois homem age assim mesmo, disse-me...Seu Pedrosa comprimiu minha mão e me deu um abraço apertado, do tipo gaúcho e me fez tomar com ele o famoso “chimarrão”, que preparava com maestria, selando, assim, uma grande amizade, que aparentemente se encerrou, mas pra mim nunca, pois ao passar para outro mundo, bem juntinho de Deus, por certo que estará me valorizando diante do Cristo, e aí quem sabe o Senhor Pai não prorroga meus dias de vida...


           
A emoção me impediu de comparecer ao seu enterro, mesmo porque não estava na praia e sim no Recife. Dirigindo, não levaria menos do que quarenta minutos para chegar ao velório, não daria tempo, salvo se me arriscasse a sair adoidado, correndo demais, o que não costumo fazer de maneira alguma.

 

            Recordo-me, com pesar, do dia em que sua amada esposa Maria falecera. Meu Deus, quanto sofrimento! Depois de passar quase dez anos montada numa cadeira de rodas, seu dia chegara e desse mundo ela partira como uma “santa”. Isso foi em 2007, e assim se pode constatar que quando um cônjuge é chamado para o céu o outro geralmente não demora em subir para abraçar àquele que foi o grande amor em vida.

 

            Não fazia trinta dias que eu o havia presenteado com um quadro em óleo sobre tela, de minha autoria, de uma paisagem bem próxima ao cemitério aonde fora enterrada aquela linda mulher, e que decerto será o destino do corpo do meu amigo e conselheiro. Trata-se da Vila de Nazaré, no município do Cabo de Santo Agostinho, reduto dos pescadores da área. Geralmente fotografo as telas que produzo, mas essa escapou...quem sabe não fora um aviso...

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            Meu abraço, caro companheiro, vá pra perto de Deus e me espere, porquanto o meu dia poderá estar bem próximo...Dos dois amigos que eu tinha resta-me apenas o Nobre, que espero suporte as agruras por que vem passando.

14/08/2010 19:29 - Celêdian Assis
Que bela homenagem você prestou à memória de seu amigo Sr. Pedrosa. Amigos leais deixam imensas saudades e fazem muita falta. Diante da efemeridade da vida, de nosso breve pouso neste plano, o melhor é mesmo que desfrutemos deles enquanto estamos perto e depois aguardar que em outro plano os reencontremos. Sinto muito e solidarizo-me com sua dor. um grande abraço.

 

Era o que tinha a dizer.

Sem revisão de texto.

 

ansilgus
Enviado por ansilgus em 13/08/2010
Reeditado em 23/08/2010
Código do texto: T2436439
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