MARCELO "SORRISO PERDIDO"

O cantor Lulu Santos iria se apresentar no ginásio do Clube Álvares Cabral em Vitória, naquele final de semana e há quinze dias Márcia, na época com 18 anos, não pensava em outra coisa que não fosse ver seu ídolo de perto, cantando “Como uma onda no mar”, sua música predileta.

Dona Luzia, sua mãe, dificilmente permitiria que a filha saísse de Vila Velha, sozinha, para assistir a um show, noturno, na capital capixaba. As razões para negar o consentimento eram típicas de uma senhora baiana “arretada”: “Tu tá querendo arrumar namorado, Márcia?”,“Tu tá querendo perder a virgindade, Márcia?, “Tu tá querendo apanhar na cara, Márcia?”

O sonho da moça, entretanto, não lhe permitia entender as “razões” alegadas por sua mãe e começou a pensar estrategicamente: Ir escondido? Impossível! Dona Luzia era esperta demais, descobriria e a surraria até deixar roxa. O jeito era tentar convencer a mãe de que ela não iria sozinha. Mas com quem? A idéia veio repentinamente: sua irmã Luziane, a pirralha, de doze anos! A menina seria os olhos e os ouvidos da mãe, ela a vigiaria direitinho e certamente a genitora permitiria... E não é que permitiu, mesmo?

Na tal noite, vão-se Márcia e Luziane para Vitória, fila para entrar, arquibancadas, show maravilhoso... “Nada do que foi será, de novo do jeito que já foi um dia”... O sentimento de felicidade era total, até mesmo na hora de encarar a multidão, que deixava o ginásio do Clube em direção ao Terminal Dom Bosco, local onde tomariam um ônibus que as levaria a Vila Velha.

A cada um que chegava, a multidão invadia, se pendurava nas portas, nas janelas... Não demorou a sair briga, porradeira, polícia, tiro, desespero, todo mundo deitado no chão com narizes enfiados em poças fedidas do xixi que empesteava a rua... Sob os olhos da polícia, chegou, por fim, o “Bacurau”, apelido dado à última condução da noite: 2horas da madrugada!

Espremidas, Luziane agarrava-se à cintura de Márcia, enquanto por trás sentia, abusiva e intencionalmente, o corpo de um rapazinho fedido encostado ao seu. Em dado momento, o guri girou o corpo e Luziane o ouviu gritar para todos os passageiros: “ Negócio seguinte: isso é uma pistola 765 e é um assalto! Minha rapaziada vai passar recolhendo tudo o que vocês tiverem. Se alguém tentar esconder alguma coisa, nóis vai “passar o cerol” (matar) em vocês!

Apavoradas, as irmãs começaram a tremer, chorar e rezar para todos os santos da igreja católica e do candomblé, também, mas em dado momento, Luziane mudou do choro para um riso descontrolado, fazendo com que Márcia apertasse o seu pescoço, temendo que o guri endiabrado se enfezasse e as matasse. Por sorte alguns minutos depois, o “chefe” começou a apuração:

_ “Cabeção, qual foi sua produção?”

_ “ Dois cordões de ouro e quatro anéis, Marcelo!”

_ “ Põe no saco!”, respondeu o líder.

_ “E você, Xumbrega, o que você apurou?”

_ “ 55 “pilas” e duas moedas”. “Põe e no saco!”

_ “ Zoinho, diz pra nóis o que você arrumou!”

_ “Cinco celular (sic!),chefia”.

_ “Põe e no saco!”

_ “ Cheirinho, o que você fez?”, “Fiz 05 relógio (sic!), Marcelo Sorriso Perdido.

Marcelo Sorriso Perdido? Esse era o nome do chefe do bando? Por que sorriso perdido?

Curiosa, Luziane resolveu girar o corpo e olhar o rosto do sujeito que a enconchara no início da viagem e que comandara o assalto. Muito mais baixa do que ele, a visão que teve permitiu descobrir a razão do apelido: o tal sujeito não tinha um único dente na arcada superior (a inferior ela não conseguiu ver, claro!).

Por volta das 03 da madrugada, as duas desceram no ponto de ônibus mais próximo de casa e Márcia advertiu Luziane: “Não conta nada para mamãe sobre o acontecido, se não eu nunca mais te levo para assistir a nenhum show.”

Ao dobrar a esquina, ambas viram a genitora, andando aflita de um lado para o outro, esperando pelas duas. Tão logo Luziane a viu, correu para os seus braços e em prantos disse: “ Mainha, nós quase morremos de tiro da polícia, de bandido e ainda fomos assaltadas”.

Naquela madrugada Márcia dormiu roxa!

NORMA ASTRÉA
Enviado por NORMA ASTRÉA em 13/08/2010
Reeditado em 14/05/2012
Código do texto: T2435611
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