Uma boa viagem!

UMA BOA VIAGEM!


A sujeira que ficou na mesa em que sentamos para comer o frango assado, que levamos para "enganar" o estômago, durante a nossa viagem, foi demais.
Já passava do meio-dia quando entramos num lugarejo do interior da Bahia. O sol a pino queimava inclemente. Além da sede, a sensação de fome já nos maltratava sem piedade. Nosso companheiro de viagem já não tinha mais assunto. Era a hora sagrada do seu almoço. Silenciou, com o olhar fixo na cidadezinha que se aproximava. O carro também precisava ser abastecido. Tínhamos ainda muito chão pela frente. Resolvemos, por unanimidade, parar.
O vilarejo não era diferente de outros tantos que nos deparamos pelas estradas do desnutrido Brasil nordestino. São duas fileiras de moradas modestas às margens do asfalto, onde não faltam um posto de gasolina e um pobre comércio, dividido, na maior parte, em simples botecos; uns se aventurando até a oferecer precário serviço de restaurante. Os mictórios idem, idem, disfarçando o cheiro ativo de urina com pedaços de limão verde na calha por onde escorre a variedade enorme daquele desagradável resíduo humano. As nossas mulheres, por sua vez, reclamaram à beça do desconforto que enfrentaram no w.c. feminino.
..."É o descaso da politicagem com essas regiões pobres deste país. A pobreza que se dane! Disso aqui os políticos só querem mesmo é o voto". Concordamos com o comentário de outro viajante ao lado da nossa mesa.
O nosso carro, logo que estacionamos, foi cercado por um bando de meninos mal-vestidos: uns tímidos, de olhar triste, subnutridos, notava-se, e outros mais falantes, informando-nos da existência de pousadas e onde se podia comer bem... Comer bem. Enfatizavam.
Na mesa, da melhor espelunca apontada pelos menores, fomos imediatamente atendidos por um sarará, suado e gago. Era o garçom. Vestido a caráter, de calça preta e camisa, que devia ter sido branca há muitos dias atrás; com o pescoço apertado por um colarinho encardido, ostentado por uma gravatinha preta, tipo borboleta. No espaço do "Churrasco gaúcho", noutras mesas, viajantes como nós, camioneiros e pessoas comuns dali mesmo comiam e bebiam alegres.
- O qui... qui ...é qui... o dotô vai que... querê com seus amigo?!
Entreolhamo-nos silenciosos, como que nos interrogando qual atitude a tomar diante do xeque-mate de Carrapicho, entregando-me um livreto ensebado com a lista dos pratos-do-dia.
Ele tinha se apresentado:
- Carrapicho a suas orde, dotô! Seu cabelo pixaim deu-lhe aquele apelido, nos revelou.
Éramos quatro: um casal amigo, eu e minha mulher, que, com um guardanapo nosso, de pano, espantava as indesejáveis moscas que, insistentes, nos importunavam, e tentava abrir em cima da mesa uma lata quadrada, ainda com o rótulo de um famoso cream craker, em que o nosso frango assado, acompanhado de uma dourada farofa de farinha fina, provocava água na boca, principalmente do nosso companheiro.
Os restos mortais do nosso frango: ossos e sobras de farofa, que ficaram na mesa, não compensaram o preço dos quatro refrigerantes que tomamos. Foi a nossa única despesa. Pedimos a conta. E ouvimos a voz metálica do nosso garçom, o simpático sarará, tagarela e apressado:
-Fe... fecha... a con ... conta, Sin Sinfrônio, da me... mesa 7!
Percebemos que foi mais uma gozação de Carrapicho do que um sincero pedido ao caixa da casa. Ele viu, no que consumimos: quatro refrigerantes, que a sua gorjeta tinha ido pro brejo; que éramos, como todo rico, uns miseráveis. O que seriam dez por cento daquela despesa? Uma ninharia. Pensou sem dúvida.
Mesmo assim, recolhendo umas moedas que deixamos na mesa, ainda nos desejou:
- Uma boa viagem! Pode?


Pablo Calvo
Enviado por Pablo Calvo em 13/08/2010
Código do texto: T2435111
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