A primeira vez...
...A gente nunca esquece, já diz o ditado. E embora a memória tenda a se tornar progressivamente menos confiável com o passar dos anos, as experiências que nos marcam assim o fazem de forma cada vez mais profunda – talvez numa espécie de artifício compensatório, onde aquilo que deveria ser inesquecível parece-nos então insuperável, por vezes insuportável! – parece-nos. Sorte não ser a memória a única coisa a se tornar falha – a visão, a audição, a digestão e muitas outras disfunções se somam a lista.
E alguém disse “sorte”? Cadê? Sorte de quem? Quem disse o que mesmo? Hein?
Se tais questionamentos ainda lhe parecem sem propósito, então a sorte antes mencionada é sua. Mas não vá se vangloriando à toa, pois muito antes do que se pode supor, as perguntas estranhas se tornam suas. E se já o são, querida leitora, seja bem-vinda a nossa hora do envelhecer.
Ah, o envelhecer... Consequência do ciclo biológico a ser assimilada gradualmente, com naturalidade e até mesmo com certa alegria, uma vez que só acomete àquilo que é dotado de vida, mas que ao atingir a nós, mulheres, é tomado como um golpe, uma punhalada desferida pelas costas e assim, na maioria das vezes, passa a ser encarado como a um terrível inimigo, o qual precisa ser combatido com todas as armas que estiverem ao alcance; um parasita a ser expurgado de nosso belo e ainda jovem corpinho hospedeiro.
Pode parecer exagero, mas o que se há de fazer? Quem começa a briga é sempre ele: o tempo! Uma vez que a pobre mulher, numa das zilhões de visitas diárias ao espelho, percebe os primeiros vestígios do ataque inimigo, não lhe resta alternativa senão munir-se para o contra-ataque: loções de clareamento para as mãos, joelhos, dentes e axilas, o primeiro antirrugas, a primeira tinta de cabelo comprada mais por necessidade que por vaidade, o primeiro creme antiflacidez a ser usado no rosto – sim, no rosto! Ah... São experiências como essas que fazem do primeiro sutiã uma memória tão singela!
Quem não se lembra do primeiro amor? Do primeiro beijo? Talvez aquela que está muito ocupada assinando os papéis do primeiro divórcio, conhecendo a primeira namorada do primeiro filho ou dando o primeiro banho no primeiro neto. Toda primeira vez causa um frio na barriga, um nó na garganta e, em casos mais críticos, um aperto no peito. A diferença é que, quando já não se tem vinte anos há alguns anos, esses sintomas de “primeirice” acabam se confundindo com o efeito colateral de algum medicamento ou o sinal da sua carência.
Outro dia, ao me flagrar inspecionando o rosto ao espelho, pensei “para onde está indo aquela menina de cabelos louros e bochechas rosadas, que ainda outro dia costumava ser eu? Obedeça a sua mãe, menininha, não corra! Criança teimosa... Pra que a pressa? Volta aqui!” e depois, ri um bocado da minha ignorância – quanta besteira regada por um medo mais besta ainda!
Sábio mesmo foi o dito que recentemente ouvi, proferido por uma jovem senhora de noventa e muitos anos, num documentário sobre este mesmo assunto. Dizia ela “A gente não sente que está envelhecendo. É como se de uma hora para outra, o mundo passasse a te enxergar de outra forma (...), mas eu continuo a mesma! E embora o meu corpo já não me obedeça como antes, eu continuo aqui dentro”. Depois dessa, senti-me recém engatinhando, arriscando os primeiros passos no caminho do envelhecer – um caminho que parece bem longo e tortuoso, cheio de recompensas e desafios, mas afinal, quem está com pressa?
[Crônica escrita para o caderno Mulher Interativa - Jornal Agora - em agosto de 2010]