UM POVO ATÍPICO
Imaruí é uma cidade pacata de colonização açoriana, mesmo com essas suas peculiaridades históricas e étnicas, é bom se atinar para o fato de que estamos tratando de uma cidade centenária. Mesmo assim, o seu povo, ainda se comporta como se constituísse numa pequena aldeia de pescadores de cem anos atrás. É um lugar aprazível, de clima bom, muito saudável e de um relevo admirável, onde também se encontra uma lagoa que nos propicia um pescado variado e indizíveis momentos de pura reflexão. Entretanto, apesar de ter todas essas qualidades e peculiaridades para uma boa vivência, é necessário alertar aos curiosos sobre o comportamento desse povo atípico que por aqui habita, bem como sobre as serpentes que se escondem nos escaninhos secretos do dia-a-dia. É certamente um comportamento único que, com apenas uma olhada de esguelha, há de se constatar a singularidade exótica desse povo, miscigenado com os açorianos, índios e negros (afrodecendentes).
Quando eu e os meus amigos conversamos a respeito dessa gente, principalmente, quando converso com o meu amigo Israel, eu afirmo que Imaruí é ainda uma aldeia vaidosa que pensa ser uma cidade. Mas, observando as pessoas e os seus comportamentos no dia-a-dia, eu não sei se seria justo chamar a cidade tão-somente de aldeia. Eu quero crer que ela é ainda uma Freguesia, como era conhecida muito antes do século XIX. Explico-me: Aqui tudo é permitido, pois é visível a não existência de um comportamento civilizado, totalmente contrário àquele que nos era ensinado nas aulas de “Educação Moral e Cívica”.
Vamos aos exemplos: No trânsito, embora esteja bem sinalizado com as faixas de segurança dos pedestres, apesar do nome pomposo, consiste no maior risco em atravessá-las. Pois os filhinhos de papai e até as cabeças prateadas, não têm o mínimo de respeito pelas leis de trânsito e nem educação, que se presume, deveriam obrigatoriamente tê-las. Um outro costume tribal notado é o de ficarem conversando na calçada pública, assim obstruindo a passagem dos demais, têm-se a impressão de que eles se encontraram no caminho da roça ou numa picada da aldeia. Coisa de índio ou de matuto. Outra observação que faz muito sentido é a seguinte: Os lojistas, principalmente os donos, atendem muito bem os seus fregueses históricos. Mas, se entrar um fulano que não é freguês dele, esse não é atendido com cordialidade, porque esse fulano é freguês de sicrano. Os donos de lojas, apesar de freqüentarem o comércio lojista de outras cidades, eles ainda não aprenderam a conquistar um novo freguês. Não inovam, não se atualizam com novas mercadorias e nem com os seus registros ditos contábeis. E, as suas mercadorias, quase sempre fora de moda, tem de ser empurradas goela a baixo. Essa é a estratégia de marketing tupiniquim.
Aqui, no dia em que morre alguém de certa importância na sociedade, é quase um feriado facultativo. E, dependendo da importância do “de cujus”, – bom, “de cujos” é uma expressão forense que se usa no lugar do nome do falecido. Se o “de cujus” foi importante, o seu féretro ou a triste procissão, uma verdadeira carreata, passará pelo centro da cidade, mesmo contra mão, para que todos, gostando ou não, fechem as portas do seu estabelecimento. Aqui para morrer é preciso ter um certo orgulho, pois terá direito até a um carro batedor da polícia local. Mas, quanto aos defuntos simples ou pobres, esses obedecem as leis de trânsito e, a sua procissão lúgubre, não é realizada contra mão. E tem mais, ninguém fecha as portas do comércio e nem a polícia lhe servirá de batedora com o giroflex ligado. Mas, quando o “de cujus” chega à Igreja, claro, se ele algum dia foi católico, o padre já vai dizendo como consolo aos parentes que, fulano de tal, agora já está ao lado de Deus na eternidade. Entretanto, sabe-se de antemão que se tratava do maior salafrário da paróquia. Por isso, convidamos a todos os marginais para morrerem aqui em Imaruí, pois o céu já lhe está garantido. Eta cambada de hipócritas!
É típico desse pessoal daqui da sede e do interior andarem pelo meio da rua, como se estivesse andando pelo quintal de suas casas ou propriamente na roça. Os motoristas que tenham paciência, pois dizem eles, “essa terra aqui é nossa”! Bom, em todos os lugares existe o famigerado crediário, mas esse tipo de compromisso comercial é organizado e geralmente é totalmente resgatado. Mas, aqui em Imaruí, não se fala em crediário, fala-se muito em fiado ou ficha. É um costume, um vício ou uma doença endêmica, esse tal de fiado que, na maioria das vezes, quem paga a conta é Deus. – Que Deus te pague!
Tudo aqui na pequena joia do sul é sinalizado com foguete tipo rojão, e, podem crer que, até temos gente especializada nessa atividade ilusória, mas muito lúdica da região. Por exemplo: O Prefeito inaugura uma lombada, atiram foguetes. A Câmara de Vereadores legisla sobre um determinado assunto sem importância, atiram foguetes. Na Igreja tem sessão de novenas, atiram foguetes. A vizinha de alguém faz quinze anos, atiram foguetes. Chega maconha no pedaço, atiram foguetes. Sabe-se de que algum recurso no Tribunal Regional Eleitoral ganhou o seu devido provimento, atiram foguetes. Faz seis anos que o Ferryboat está sendo construído e nunca terminam, mas agora, dizem que vai ser inaugurado, atiram foguetes. Nem vamos comentar a festa do padroeiro da cidade, que é o São João Batista. Sabe-se que o pobre João, nada tinha a ver com fogueira e nem com fogos de artifício, entretanto, é uma festa badalada e repetitiva, mas o povo adora. Nessa festa, também pode ser observado um manézinho atípico da cidade que é o animador da paróquia e, ao mesmo tempo, é também o anunciador no serviço de alto-falante dos óbitos ocorridos na paróquia.
Aqui na nossa cidade, a fofoca é mais rápida do que qualquer correio eletrônico, com uma vantagem a mais, é a de ser telepática e criptografada. Esse tipo de mal-hábito é mais rápido do que a aceleração de uma partícula subatômica. Ai daquele que cair na boca de uma fofoqueira, (serpente) a vida dele ou dela irá rolar sem rumo e sem dó pelas sarjetas. Aqui sabe-se de tudo, tem-se a impressão de que as ditas fofoqueiras têm “RAIO X” nas vistas, pois elas sabem até o que se passa entre quatro paredes. Entretanto, devemos também dizer que elas são piedosas e penitentes senhoras de todas as funções da Igreja, inclusive, assíduas frequentadoras e cantoras nas santas missas.
Em qualquer célula geográfica organizada ou município desta grande nação, está devidamente chancelado pela Carta magna, a nossa Constituição que, todos os municípios devidamente emancipados serão ordenados pelos três poderes. Isto é: Pelo Poder Executivo, Poder Legislativo e pelo Poder Judiciário. Entretanto, nenhum é tão obedecido e observado como é o poder do padre ou do pastor. Esses últimos são os ministros do Poder Moderador. O povo desconhece em que regime político vive e duvida muito de que o homem já tenha ido a lua, mas ele sabe muito bem quem é o padre da paróquia ou quem é o pastor da sua igreja ou de onde eles são procedentes. Eles são como autoridades que têm fé pública.
Temos também mais um componente atípico desse povo que é muito observado, principalmente, pelas pessoas que vem de fora. Agora vamos falar sobre a frequência e a quantidade de procissões de santos. Têm capelas aqui ao redor da cidade que, quando homenageia o santo, isso é feito em dupla, quero dizer, com dois santos de uma vez só. Talvez e é bem provável que haja um terceiro na reserva, para substituir algum dos titulares que por qualquer motivo estejam impossibilitados de comparecer ao séquito. Para essa gente, pouco importa a fé no santo ou na santa, o interessante é o baile após as funções religiosas. O que eu estou escrevendo aqui não é uma blasfêmia, trata-se apenas de um registro e de uma observação.
Outra observação em boa hora é a do desmerecimento desse povo, para com os profissionais liberais que por aqui aportam. Tais como: os médicos, as médicas, os dentistas, os oftalmologistas, os bioquímicos e os advogados. Coitados dos profissionais, especialmente os da área da saúde, são depreciados gratuitamente, por não acertarem um diagnóstico de uma possível doença. Normalmente, as pessoas que procuram os médicos são apáticas e depressivas ou hipocondríacas, fato que as leva imaginar doenças que não têm. Na verdade, a grande maioria dos casos que recorrem aos médicos, deveriam sim, recorrer a um psicólogo ou, até mesmo, a um psiquiatra. Mas, em função da pouca instrução e da falta evidente de educação, elas, normalmente, preferem jogar o nome do profissional na vala comum do desmerecimento e do descrédito.
Quando o Senhor Todo Poderoso estava criando o mundo e chegou a hora de dar os últimos retoques ao local aonde seria futuramente o município de Imaruí, um Arcanjo, um dos seus muitos secretários, fez-lhe a seguinte indagação:
- Senhor, perdoe-me a insolência, mas por que estás caprichando mais nesse lugar do que nos outros que sabiamente e divinamente criastes?
E o Senhor lhe respondeu:
- Arcanjo, se esperares um pouco, tu verás que povo eu vou colocar ali!
Amém! Disse o Arcanjo.
Imaruí é uma cidade pacata de colonização açoriana, mesmo com essas suas peculiaridades históricas e étnicas, é bom se atinar para o fato de que estamos tratando de uma cidade centenária. Mesmo assim, o seu povo, ainda se comporta como se constituísse numa pequena aldeia de pescadores de cem anos atrás. É um lugar aprazível, de clima bom, muito saudável e de um relevo admirável, onde também se encontra uma lagoa que nos propicia um pescado variado e indizíveis momentos de pura reflexão. Entretanto, apesar de ter todas essas qualidades e peculiaridades para uma boa vivência, é necessário alertar aos curiosos sobre o comportamento desse povo atípico que por aqui habita, bem como sobre as serpentes que se escondem nos escaninhos secretos do dia-a-dia. É certamente um comportamento único que, com apenas uma olhada de esguelha, há de se constatar a singularidade exótica desse povo, miscigenado com os açorianos, índios e negros (afrodecendentes).
Quando eu e os meus amigos conversamos a respeito dessa gente, principalmente, quando converso com o meu amigo Israel, eu afirmo que Imaruí é ainda uma aldeia vaidosa que pensa ser uma cidade. Mas, observando as pessoas e os seus comportamentos no dia-a-dia, eu não sei se seria justo chamar a cidade tão-somente de aldeia. Eu quero crer que ela é ainda uma Freguesia, como era conhecida muito antes do século XIX. Explico-me: Aqui tudo é permitido, pois é visível a não existência de um comportamento civilizado, totalmente contrário àquele que nos era ensinado nas aulas de “Educação Moral e Cívica”.
Vamos aos exemplos: No trânsito, embora esteja bem sinalizado com as faixas de segurança dos pedestres, apesar do nome pomposo, consiste no maior risco em atravessá-las. Pois os filhinhos de papai e até as cabeças prateadas, não têm o mínimo de respeito pelas leis de trânsito e nem educação, que se presume, deveriam obrigatoriamente tê-las. Um outro costume tribal notado é o de ficarem conversando na calçada pública, assim obstruindo a passagem dos demais, têm-se a impressão de que eles se encontraram no caminho da roça ou numa picada da aldeia. Coisa de índio ou de matuto. Outra observação que faz muito sentido é a seguinte: Os lojistas, principalmente os donos, atendem muito bem os seus fregueses históricos. Mas, se entrar um fulano que não é freguês dele, esse não é atendido com cordialidade, porque esse fulano é freguês de sicrano. Os donos de lojas, apesar de freqüentarem o comércio lojista de outras cidades, eles ainda não aprenderam a conquistar um novo freguês. Não inovam, não se atualizam com novas mercadorias e nem com os seus registros ditos contábeis. E, as suas mercadorias, quase sempre fora de moda, tem de ser empurradas goela a baixo. Essa é a estratégia de marketing tupiniquim.
Aqui, no dia em que morre alguém de certa importância na sociedade, é quase um feriado facultativo. E, dependendo da importância do “de cujus”, – bom, “de cujos” é uma expressão forense que se usa no lugar do nome do falecido. Se o “de cujus” foi importante, o seu féretro ou a triste procissão, uma verdadeira carreata, passará pelo centro da cidade, mesmo contra mão, para que todos, gostando ou não, fechem as portas do seu estabelecimento. Aqui para morrer é preciso ter um certo orgulho, pois terá direito até a um carro batedor da polícia local. Mas, quanto aos defuntos simples ou pobres, esses obedecem as leis de trânsito e, a sua procissão lúgubre, não é realizada contra mão. E tem mais, ninguém fecha as portas do comércio e nem a polícia lhe servirá de batedora com o giroflex ligado. Mas, quando o “de cujus” chega à Igreja, claro, se ele algum dia foi católico, o padre já vai dizendo como consolo aos parentes que, fulano de tal, agora já está ao lado de Deus na eternidade. Entretanto, sabe-se de antemão que se tratava do maior salafrário da paróquia. Por isso, convidamos a todos os marginais para morrerem aqui em Imaruí, pois o céu já lhe está garantido. Eta cambada de hipócritas!
É típico desse pessoal daqui da sede e do interior andarem pelo meio da rua, como se estivesse andando pelo quintal de suas casas ou propriamente na roça. Os motoristas que tenham paciência, pois dizem eles, “essa terra aqui é nossa”! Bom, em todos os lugares existe o famigerado crediário, mas esse tipo de compromisso comercial é organizado e geralmente é totalmente resgatado. Mas, aqui em Imaruí, não se fala em crediário, fala-se muito em fiado ou ficha. É um costume, um vício ou uma doença endêmica, esse tal de fiado que, na maioria das vezes, quem paga a conta é Deus. – Que Deus te pague!
Tudo aqui na pequena joia do sul é sinalizado com foguete tipo rojão, e, podem crer que, até temos gente especializada nessa atividade ilusória, mas muito lúdica da região. Por exemplo: O Prefeito inaugura uma lombada, atiram foguetes. A Câmara de Vereadores legisla sobre um determinado assunto sem importância, atiram foguetes. Na Igreja tem sessão de novenas, atiram foguetes. A vizinha de alguém faz quinze anos, atiram foguetes. Chega maconha no pedaço, atiram foguetes. Sabe-se de que algum recurso no Tribunal Regional Eleitoral ganhou o seu devido provimento, atiram foguetes. Faz seis anos que o Ferryboat está sendo construído e nunca terminam, mas agora, dizem que vai ser inaugurado, atiram foguetes. Nem vamos comentar a festa do padroeiro da cidade, que é o São João Batista. Sabe-se que o pobre João, nada tinha a ver com fogueira e nem com fogos de artifício, entretanto, é uma festa badalada e repetitiva, mas o povo adora. Nessa festa, também pode ser observado um manézinho atípico da cidade que é o animador da paróquia e, ao mesmo tempo, é também o anunciador no serviço de alto-falante dos óbitos ocorridos na paróquia.
Aqui na nossa cidade, a fofoca é mais rápida do que qualquer correio eletrônico, com uma vantagem a mais, é a de ser telepática e criptografada. Esse tipo de mal-hábito é mais rápido do que a aceleração de uma partícula subatômica. Ai daquele que cair na boca de uma fofoqueira, (serpente) a vida dele ou dela irá rolar sem rumo e sem dó pelas sarjetas. Aqui sabe-se de tudo, tem-se a impressão de que as ditas fofoqueiras têm “RAIO X” nas vistas, pois elas sabem até o que se passa entre quatro paredes. Entretanto, devemos também dizer que elas são piedosas e penitentes senhoras de todas as funções da Igreja, inclusive, assíduas frequentadoras e cantoras nas santas missas.
Em qualquer célula geográfica organizada ou município desta grande nação, está devidamente chancelado pela Carta magna, a nossa Constituição que, todos os municípios devidamente emancipados serão ordenados pelos três poderes. Isto é: Pelo Poder Executivo, Poder Legislativo e pelo Poder Judiciário. Entretanto, nenhum é tão obedecido e observado como é o poder do padre ou do pastor. Esses últimos são os ministros do Poder Moderador. O povo desconhece em que regime político vive e duvida muito de que o homem já tenha ido a lua, mas ele sabe muito bem quem é o padre da paróquia ou quem é o pastor da sua igreja ou de onde eles são procedentes. Eles são como autoridades que têm fé pública.
Temos também mais um componente atípico desse povo que é muito observado, principalmente, pelas pessoas que vem de fora. Agora vamos falar sobre a frequência e a quantidade de procissões de santos. Têm capelas aqui ao redor da cidade que, quando homenageia o santo, isso é feito em dupla, quero dizer, com dois santos de uma vez só. Talvez e é bem provável que haja um terceiro na reserva, para substituir algum dos titulares que por qualquer motivo estejam impossibilitados de comparecer ao séquito. Para essa gente, pouco importa a fé no santo ou na santa, o interessante é o baile após as funções religiosas. O que eu estou escrevendo aqui não é uma blasfêmia, trata-se apenas de um registro e de uma observação.
Outra observação em boa hora é a do desmerecimento desse povo, para com os profissionais liberais que por aqui aportam. Tais como: os médicos, as médicas, os dentistas, os oftalmologistas, os bioquímicos e os advogados. Coitados dos profissionais, especialmente os da área da saúde, são depreciados gratuitamente, por não acertarem um diagnóstico de uma possível doença. Normalmente, as pessoas que procuram os médicos são apáticas e depressivas ou hipocondríacas, fato que as leva imaginar doenças que não têm. Na verdade, a grande maioria dos casos que recorrem aos médicos, deveriam sim, recorrer a um psicólogo ou, até mesmo, a um psiquiatra. Mas, em função da pouca instrução e da falta evidente de educação, elas, normalmente, preferem jogar o nome do profissional na vala comum do desmerecimento e do descrédito.
Quando o Senhor Todo Poderoso estava criando o mundo e chegou a hora de dar os últimos retoques ao local aonde seria futuramente o município de Imaruí, um Arcanjo, um dos seus muitos secretários, fez-lhe a seguinte indagação:
- Senhor, perdoe-me a insolência, mas por que estás caprichando mais nesse lugar do que nos outros que sabiamente e divinamente criastes?
E o Senhor lhe respondeu:
- Arcanjo, se esperares um pouco, tu verás que povo eu vou colocar ali!
Amém! Disse o Arcanjo.