FALANDO SOZINHO II

“Não blasfemo, não pondero, não tolero lero-lero, devo nada pra ninguém”

(Trecho da música Lero-Lero, de Edu Lobo)

A Silvia começou o papo depois do café da manhã naquela mesa com uma meia dúzia de quase idosos, mais duas adolescentes e, é bom que se diga, nenhuma criança:

- A gente vai envelhecendo e vai perdendo a paciência com tanta coisa... Eu, por exemplo, não tolero criança birrenta. Foi de pronto, emendada pela Marieta:

- Que nem eu. Detesto ir a casas onde têm crianças. É barulho demais!

Só uma pausa: a gente ouve tantos adultos dizerem que não agüentam a intolerância e a indiferença dos outros adultos, que as crianças são o símbolo da ternura, o resgate da pureza, da inocência, são a esperança de um mundo melhor e depois tem que ouvir quase das mesmas pessoas essas barbaridades. Estranho mundo!

Um dia eu comprei uma briga de um tamanho que nem conto. Foi pelo fato de ter afirmado ironicamente que sempre achei ser a babaquice algo que se curava com a idade. Dei razão para a pessoa que brigou comigo. Não cura mesmo. No final a gente acaba sendo o que foi a vida inteira. Se foi intolerante, não será a velhice que vai agraciar com paciência. O envelhecimento por si só não ensina nada além de horários para tomar medicamentos. É preciso ir cultivando os aprendizados como um agricultor e não como um bóia fria diante da plantação. O agricultor ara, semeia, aduba, planta rega e colhe. O bóia fria só colhe a troco de migalhas para a sobrevivência. Não participou do processo, não se envolveu com os maravilhosos mistérios da terra, não viu as pragas, não ficou apreensivo com excesso de sol ou falta de chuvas. Não é demérito para o bóia fria, afinal ele é contratado com o fim específico da colheita. É apenas uma analogia sobre o processo de aquisição de conhecimento que leva ao discernimento, com o aprendizado da tolerância, com a convivência com as intempéries, com a necessidade de aprender a tomar decisões. Na safra seguinte, o agricultor sempre tem idéias mais interessantes para a terra. Do mesmo modo é o agricultor predador, que só se preocupa com uma safra. Chega, derruba o mato, bota fogo, planta, não se cerca dos cuidados necessários a uma boa colheita, provavelmente não vai tê-la e para a safra seguinte, sua terra provavelmente vai estar enfraquecida de nutrientes e ele, ou vai embora o vai gastar muito para recompor o solo que ele mesmo estragou.

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 12/08/2010
Código do texto: T2432923
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