Frio da Alma
O frio bateu para avassalar as almas despudoradas que não têm calor humano suficiente para acalentar pobres desvalidos que passam despercebidos, tremendo, enquanto o homem médio caminha aconchegado com sua jaqueta jeans ou blusão com forro estofado. Dostoievski já alertava sobre o assunto. Também, vivera em um universo gelado, tanto climaticamente, como animicamente. A sensibilidade dos russos da época congelou numa noite em que os termômetros deixaram de funcionar.
O frio faz o velho ranger os dentes e ansiar por sopinha quente, com filhos ao redor.
Faz com que a criança deseje o calor materno, um mingau quentinho e um cobertor defronte a televisão de desenhos. Faz com que mães chorem discretamente quando isso não acontece, quando sua prole geme quietinha num canto gélido. Faz com que empresários e milionários por um lapso pensem nos miseráveis de plantão na porta da loja de eletrodomésticos.
Com que jovens sonhadores anseiem por uma taça de vinho defronte uma lareira e uma bela mulher para acompanhar.
O frio não dá tréguas. Vem como um rio e embala os despreparados num cobertor de tremor.
O frio é implacável em sua frialdade. Não dá lado para a piedade, resseca e congela peles e órgãos, mata com dor, aniquila a esperança até dos que vivem sem maldade. A quentura do coração não é suficiente.
O frio faz com que algumas pessoas de alma elevada pensem nos velhos, mulheres e crianças das esquinas...
Cristiano Covas, 25.05.07.