A VOZ SILENCIOSA DO BRASIL

Quando comprei a minha primeira casa não ficou esquecido jamais. Acho que é o sonho (casa própria) de nove entre dez brasileiros em situação regular de temperatura, pressão, desejo de família, emprego e renda. Tinha uns vinte e poucos anos, usei todo o meu fundo de garantia para dar uma entrada no financiamento e parcelei o restante para o resto da vida. Quando fui à prefeitura e ao cartório, quase tive um ataque de nervos. As taxas que me cobravam para fazer o registro e colocar o financiamento em meu nome eram de valor maior do que o que eu havia conseguido juntar para dar de entrada. Voltei desolado, pensando em desistir do negócio. Não era para o meu bico. Coincidentemente ouvia A Voz do Brasil por ter esquecido de desligar o rádio e falavam de uma lei antiga, que garantia descontos da metade dos impostos para quem financiava um imóvel pela primeira vez. Passei até a gostar do programa de tanto que me animei. Umas notícias que a gente não ouve e não lê divulgadas publicamente em lugar algum.

Está circulando um burburinho sobre o fim da Voz do Brasil, aquele programa que passa em rede nacional de rádio quando em Brasília são dezenove horas. O programa foi implantado na época do Estado Novo pela política de Getúlio Vargas para dar visibilidade às ações do governo. As emissoras de TV só escaparam porque não existiam ainda no Brasil, senão estariam certamente dentro. Ninguém que passou na presidência da republica, de lá para cá, quis acabar com ele. Ele trata do Brasil que a gente não vê, não ouve, não lê em lugar nenhum. É o Brasil silencioso, tanto naquilo que faz de bom e de ruim. É um programa para ser passado sim, afinal os meios de comunicação são uma concessão pública. Algum serviço público eles tem que prestar. Pode ser uma rede obrigatória para os concessionários das rádios, mas ouve quem quer e gosta, ninguém está obrigado.

Fazem, porém, o jogo da contra propaganda, colocando na boca de seus interlocutores que ele só serve para fazer propaganda favorável do governo, mais especificamente do executivo, o que não é de todo verdade. Estão reclamando que isso poderia estar afetando a sua audiência, isto é, o que lhes dá lucro. Parece o sujo falando do mal lavado. A imprensa não manipula notícias, não?Quem se dá ao trabalho de ouvir, vai saber que não é bem assim. Tanta tramóia do governo, do congresso e do judiciário que a gente fica sabendo que eu acho que se todo o Brasil ouvisse todos os dias com atenção o programa, este país estaria em pleno debate sobre o papel dos meios de comunicação, dos poderes constituídos e da atuação dos políticos nos quais a gente vota. Tem parlamentar, por exemplo, cujos nomes ouvimos constantemente no programa. Seja por algum feito bom em termos de projetos de lei, seja por alguma denúncia. Tem outros que passam seus mandatos sem sequer fazer alguma coisa além de receber salário e votar em quem a sua bancada mandar. O que o judiciário faz para abençoar com liminares ou negar com indeferimentos está lá, todos os dias. Além do mais, não podemos deixar de considerar que há uma vastidão de terras longínquas aonde só chega sinal de rádio. Para se ver televisão, há que se investir em antenas parabólicas inacessíveis a milhões de brasileiros. Conheço muita gente nas roças que ganhou ou adquiriu um aparelho de TV apenas porque é um modismo do consumo. Fica lá apenas enfeitando a sala, aguardando um sinal do céu, no caso captado somente pelas tais antenas, que só passam programas de outros estados diferentes dos seus.

josé cláudio Cacá
Enviado por josé cláudio Cacá em 11/08/2010
Código do texto: T2430862
Copyright © 2010. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.