Lugares para se viver
LUGARES PARA SE VIVER
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 11.08.2010)
Não é, este, o caso de Nova York. A começar porque se trata de uma ilha, com as limitações geográficas que se aprende já nos primeiros anos de escola: um pedaço de terra cercado de água por todos os lados. Depois, para complicar ainda mais as coisas para a grande metrópole, para a capital do mundo: uma ilha fluvial, cercada de água doce por todos os lados. Nada mais lamentável para contaminar o lugar ideal de se viver. As praias de verdade, de mar esverdeado e ondas fortes, ficam distantes; não há, logo ali, uma Avenida Atlântica lambuzada de maresia. Isto é fatal para as pretensões de uma cidade que se candidate a lugar ideal para se viver.
Morar, mora-se onde está o dinheiro, a família ou o trabalho. Mas, para viver, as exigências são de uma precisão que beira o perfeccionismo. Claro, senão jamais será o lugar ideal para se viver.
Nova York ostenta outro grave pecado: a falta de morros, de cima dos quais o tráfico e seus clientes da classe média podem ter uma visão do paraíso, podem desfrutar de uma amplidão de horizontes que só quem conhece os picos de pó e erva consegue avaliar. Quem lá nunca esteve, nesses morros, não faz ideia sequer aproximada do que seja essa vastidão que abarca a cidade lá embaixo, o mar lá adiante.
A melhor coisa que Nova York tinha veio dos anos 80 do século passado, aquela década de maldição da pólis: era a emoção de caminhar por suas ruas assustadoras e suas praças sombrias sob a constante ameaça de um assalto com arma branca; com sorte, sob o risco iminente de um estupro. Tinha, porque chegou depois um sujeito com a história da tolerância zero e acabou com isso tudo.
Poderia pensar-se em Florianópolis como um local aprazível para viver. Mas não. Começa que é uma ilha, embora oceânica. Dispõe de morros na sua área central, dispõe de periferias cada vez mais violentas, gradua-se nos assaltos e homicídios como cidade grande, habitua-se ao festival de balas perdidas e fogos amigos. No entanto, de que servem 42 praias em torno da Ilha de Santa Catarina (quando será que as pessoas vão decorar este como sendo o nome correto da ilha?) se não faz calor o ano todo, como no Rio de Janeiro? Uma cidade em que se morre de tanto frio no inverno que nem dá para sair do carro, para sair de casa.
De que serve para viver uma cidade, qualquer cidade, que não tem Vasco, Flamengo, Fluminense e Botafogo?
(Amilcar Neves é escritor com sete livros de ficção publicados, diversos outros ainda inéditos, participação em 32 coletâneas e premiação em 44 concursos literários no Brasil e no exterior)