O "toque" para uma escola pública, gratuita e de qualidade.
Lúcio Alves de Barros
Em lembrança dos 15 anos da "presença" de Florestan Fernandes (1920-1995)
Uma amiga, professora da rede pública na Bahia, sempre brinca quando alguém lhe pede um "toque". Diz ela, "quem dá toque é ginecologista". Infelizmente ela está errada porque já faz algum tempo que os proctologistas têm utilizado ostensivamente os dedos. Todavia, gostaria de usar a ideia do toque, com dedo ou sem dedo para "dar um toque" nos candidatos a presidente, governador e demais cargos da federação. O toque é simples porque tenho visto somente candidatos falando, falando, mas com tudo a desejar no campo em que o toque será inevitável. Não digo que os candidatos, notadamente à presidência, não saibam o que estão propondo. São pessoas inteligentes, capazes, tem experiência de vida e de governo. Eles, provavelmente, se não sabem deveriam saber do que podem ou não dar certo, mas não custa nada lembrar, "chover no molhado" e repetindo aos gritos talvez alguém escute.
O toque é o seguinte: defesa incondicional da escola pública, gratuita e de qualidade. Está aí o toque que penso ser profundo. Não vejo outra saída para esse país construído com base na exclusão, na violência, no autoritarismo e numa vergonhosa concentração de renda (o Brasil é o 3º país com pior distribuição de renda de acordo com o PNUD). Neste sentido, nada como explicar o que a maioria das pessoas já sabe: escola pública significa escola para todos. Não entendam mal, significa que todos, independentemente de cor, sexo, condições financeiras, cabelos encaracolados, com ou sem carro, com ou sem casa tem o direito inegociável de frequentar uma sala de aula. Os mais avisados vão falar que isto já é matéria constitucional, mas se nem os advogados tem o trabalho de ler a carta imaginem os candidatos. Neste caso, teimo na seguinte asserção: escola pública é para que todos possam aprender a não somente ler e a escrever. Escola é para auxiliar seres humanos a compreenderem o mundo tal como ele se apresenta. Trata-se de formar, informar e cuidar do ser humano para que ele seja capaz de - no mínimo - buscar e constituir sua autonomia. E que tenha, na ponta da língua, a capacidade de criticar, se defender, "colocar o dedo da ferida", apontar para o erro e reivindicar. Não acho bom essa ideia de "analfabeto funcional". Ou o sujeito sabe ou não sabe. Uma pessoa que não entende o que lê é despreparada para muita coisa, principalmente para disputar e sobreviver nesse país que não é para principiantes.
No que se refere à escola gratuita a questão é também simples. Não seria de bom tom pagar o que, na realidade, é conquista e direito. Embora tolerável, é inadmissível que ainda continuemos a nos enganar com algumas escolas públicas que se saem bem nas notas do IDEB. Infelizmente elas são minoria e a maioria das escolas públicas quando comparadas às instituições privadas ficam para trás. A verdade tem que ser dita: escola gratuita não é escola para pobre. Ela é também para os pobres. As universidades federais, que no Brasil são melhores que as universidades privadas, são gratuitas. Podem argumentar sobre os impostos que pagamos e que algumas também deixam a desejar. Todavia, vale lembrar que a universidade pública, por definição, teoria e natureza, não possui um proprietário, uma família como dona ou um conjunto de empresários sedentos de dinheiro. Ela é do Estado, esse ser abstrato, historicamente forjado com base em um contrato no intuito de fazer valer os direitos, a distribuição de oportunidades e a diminuição do medo do cidadão. Chego mesmo a pensar que educação não tem nada a ver com os mecanismos de mercado e não deve ser por acaso que as palavras não carregam nenhuma rima. Aos candidatos é preciso dizer que se faz necessário sérios investimentos em educação e que ela seja não somente gratuita, mas uma política de governo. Essa dimensão está associada ao último "toque" não tão profundo nos candidatos: toda escola deve ter por princípio, meio e fim a qualidade.
Uma escola com ensino de qualidade começa no bom pagamento de salários para os professores. Dito de forma mais simples, pois tem gente que não entende: os docentes devem, pelo trabalho que levam a efeito, por vezes mais de oito horas ao dia, receber bons salários. Não é possível um professor, especialmente os que lidam com as crianças, receberem salários paupérrimos e que fiquem a contar trocos para o xérox ou para garantir um pouco de educação para os alunos. O professor merece estar em um lugar (nem sei se já esteve) no qual o primeiro passo é o reconhecimento do seu trabalho através de bons salários. Nada de sonhos, a segurança pública tem avançado porque os policiais passaram a ganhar melhor e muitas carreiras jurídicas são procuradas justamente por isso. Logo, o início é o salário. Além disso, é importante respeitar a escola como instituição que é de fato e de direito. Escola não é hospital, não é manicômio, tampouco cadeia ou quartel. As escolas são instituições nas quais muitos de nós passaram um terço da vida. É na escola que o aluno e aluna ainda vão encontrar um lugar de liberdade, respeito e emancipação. Sei que estou "chovendo no molhado", mas a ideia é essa mesma. Se falarmos e falarmos talvez alguém escute. Como o diálogo pode ser para surdos, repito: nos dias de hoje, não existe um lugar que possa ser tão seguro, bom e tranquilo quanto uma escola. Tenho ciência da violência, da criminalidade, balas perdidas, indisciplinas, depredações e dos constantes conflitos que existem nestes locais. Mas eles podem ser solucionados tendo como ponto de partida o primado do respeito, da dignidade e da autoridade. Educação com qualidade é, neste caso, cuidado com o lugar dos professores como atores importantes do processo de aprendizagem.
Um local adequado, professores preparados e bem pagos, alunos motivados ainda precisa de mais alguma coisa: um currículo rico em valores e que não diz respeito somente ao campo frio e seco da técnica, mas também à grande arte de ser gente. Cumpre ao ambiente escolar não somente delinear os primeiros passos da criança, mas colocar na cabeça dos adolescentes, jovens e adultos caminhos alternativos e cheios de vida no sentido do que é a vida e que ela vale à pena e que não se deve desistir do ato de educar simplesmente porque o sujeito já se formou e/ou decidiu por ficar longe das escolas e das universidades. Educação e conhecimento são mundos que não tem fim. Este é o "toque" e sinta quem quiser.