E você, vai fazer o que daqui a 5 anos?

No mês passado, eu almocei com duas amigas numa tarde de domingo - sim, porque aos domingos, são autorizados almoços em fins de tarde.

A conversa seguia descompromissada e divertida. Assuntos leves. Bobagens entre risadas, como cabe a uma tarde de domingo.

De alguma forma, o assunto foi parar na forma como eu me vejo daqui a 5 anos.

A pergunta que combinava muito mais com um processo seletivo do que com um almoço entre amigas motivou uma gargalhada seguida por um divertido “Por quê?”

Pronto. Foi o suficiente para que se iniciasse uma seqüência de relatos preocupados com o meu estilo de vida.

E, a mim, só restou abrir mente e coração e escutar. Sentadinha, ali na minha berlinda, ouvi, com carinho e surpresa, preocupações que iam desde a minha alimentação inadequada até os meus projetos de vida.

Explico.

Carinho por ter amigas preocupadas com a minha saúde. De fato, minha completa inaptidão como dona de casa me fez descobrir que vivo perfeitamente bem com sopas congeladas e sanduíches de alface. E confesso... não faço um check up há uns 10 anos.

Surpresa por descobrir que minhas amigas se preocupavam de eu viver a vida sem me preocupar com o dia de depois de amanhã. Na verdade, não acham saudável que eu não demonstre ter um objetivo maior na vida. Por “maior”, na concepção delas, leia-se uma meta de crescimento financeiro e profissional a curto prazo.

Depois que ouvi tudo, guardei o que disseram dentro de mim para digerir em alguns dias e virei a pergunta, querendo saber o que elas estariam fazendo daqui a 5 anos, quando estivessem chegando perto dos 40.

O assunto seguiu com relatos de casamentos, filhos e promoções até que o namorado de uma delas chegou.

Pois bem, passou um mês desde aquele dia. E eu tenho revisto o que ouvi naquela tarde. Tenho pensado na minha vida. Pensado no que eu vivo hoje. Se eu quero mudar algo. O que eu quero estar fazendo daqui a 5 anos.

E eu acho que já sei - só que, antes, preciso dizer algumas coisas sobre o hoje.

Por uma conjunção rara de fatores, estou em um momento muito bom da vida.

  • Minha família não está passando por problema algum.
  • Meu trabalho conjuga desafio cotidiano, prazer e boa remuneração.
  • O coração está em paz. Aberto, tranqüilo. Se quero um namorado? Claro que quero. Só que isso não se planeja ou procura. Sob risco de ansiedade e carência desnecessárias. Acho que é abrir o coração e “cuidar do jardim para que as borboletas venham até você”. E acho que já tem borboleta à beça em volta. Eu é que eu só namoro quando estou apaixonada. Então, o jeito é esperar.
  • Minha vida sexual é compatível com o que pode acontecer para uma mulher solteira, sem namorado e que só se relaciona com homens que a deixem interessada o suficiente para querer mais de uma noite com eles.
  • Minha vida social é divertida.
  • Meus amigos são presentes.
  • Financeiramente, eu tenho problemas administráveis.
  • Meus textos estão ganhando novas instâncias... palavra escrita, palavra falada, textos publicados na internet, o Livro amadurecendo... são tantas coisas novas, tantas idéias... e elas vão surgindo naturalmente, sem eu planejar. Não funciona bem comigo planejar palavra. Seria o avesso do meu processo criativo. Mas isso é assunto longo. Dá um livro. Aliás, não só dá como o estou escrevendo.

Então, deixa eu te perguntar:

Estando o hoje tão absoluta e completamente bom, é tão estranho assim que uma pessoa realmente feliz não ocupe seus dias pensando em como mudá-lo?

Se eu não quero mais nada? Ora, claro que quero. Quem é que não quer mais? Ser mais magra, ganhar mais, se divertir mais, namorar mais...? Quem não quer?

Só que eu não vejo essas coisas como fatores essenciais para a minha felicidade.

Ser mais magra me faria bem. Mas eu não vivo mal porque não o sou.

Ganhar mais seria bom. Mas não é ruim não ganhar tanto assim.

Se divertir mais é sempre bom. Mas não me divirto pouco.

Namorar mais seria ótimo. Só que para namorar, tem que apaixonar. Enquanto não apaixono, vou seguindo com um “quase-namorado” ou outro de vez em quando, fazer o quê.

Pessoalmente, eu acho que as minhas amigas se preocupam comigo por alguns motivos.

Primeiro porque me amam. E eu as adoro por se preocuparem.

Segundo que não entendem direito a forma como eu vivo essas coisas. Elas estão na fase dos 30 anos. Uma fase de querer. Querer casar. Querer ter filho. Querer uma promoção. Querer comprar um apartamento. E causa estranheza que alguém não tenha esse sentimento latejando dentro de si.

Aceitar que outra pessoa sinta, pense ou deseje algo diferente da gente é uma coisa muito difícil. A maioria das pessoas, quando aceita, na verdade, acata. É muito difícil entender que aquilo que faz o outro feliz, não necessariamente precisaria fazer-nos felizes também. Por amizade, pode haver uma atitude de “te amo e te aceito”. E, apenas isso, já é lindo.

Eu já vivi uma fase do “querer” quando tinha trinta e poucos anos. E foi bem gostosa. Interessante. Desafiadora. Nessa fase, eu queria muita coisa que eu não tinha na minha vida. E fiz tudo o que quis.

Isso quer dizer que eu não queira nada agora que tenho 42?

Não é isso. É que o que eu quero... bem... vamos lá:

  • Quero acordar no domingo e poder deixar o dia desenhar. Deixar a vida me surpreender. Com amigos, risadas, sabores e cores não planejadas depois de uma semana inteira de rotina, planejamento e controle no trabalho.
  • Quero conversar com um amigo por duas horas ao telefone porque estou com saudades.
  • Quero parar no meio da rua para ver a lua porque ela está bonita. Ou uma nuvem com mais de um tom de branco. Ou um por do sol porque eu não tinha visto ainda aquele tom de roxo no céu.
  • Quero o prazer de dizer um texto em voz alta e ver a emoção refletida nos olhos de quem ouve.
  • Quero comer manga no café da manhã sentada na varanda... ao invés de iogurte em pé na cozinha.
  • Quero dormir com ar condicionado ligado até no inverno, só para sentir a textura do edredom na pele.
  • Quero escolher livros por horas numa livraria.
  • Quero dar risada por nada com amigos. Jogar conversa fora. E conversa dentro.
  • Quero estar com a minha família.
  • Quero dançar de olhos fechados só para sentir a luz na pálpebra enquanto o som me transpassa.
  • Quero andar de balão um dia.
  • Quero ver o mar por dentro dia desses.
  • Quero me dar manhãs... que é como eu chamo colocar o despertador para as sete só para dar tempo de ler e escrever um pouco antes de ir para o trabalho.
  • Quero que um temporal me pegue de surpresa um dia, quando eu não estiver sozinha, só para sentir como é dar beijo na boca debaixo de chuva forte.
  • Quero deitar num gramado em uma cidade onde o céu seja mais estrelado, que isso só tem em cidade pequena, e soltar o olho no azul e o pensamento na noite, ouvindo música. Deitar no chão para olhar céu é uma coisa muito gostosa. Se nunca fez, recomendo.
  • Quero ler os livros que estão aqui em casa espalhados esperando a vez.
  • Quero almoçar com amigas que me amam e se preocupam comigo.
  • Quero conhecer mais sobre Ferreira Goulart, que ouvi um texto dele mais que delicioso e interessante. Um texto espelho. E ainda não deu tempo de ler a pesquisa que eu comecei sobre ele na internet.
  • Quero ir ao Real Gabinete Português de Leitura, que dizem que é lindo lá.
  • Quero descobrir mais sobre Oswald de Andrade, Manuel da Nóbrega e Dan Brown. Porque um amigo me falou da obra deles.
  • Quero sair para dançar este ano ainda, que o orçamento não deu e eu adoro.

Caramba, eu quero muita coisa. Se sair contando tudo aqui eu vou cansar vocês – se é que já não cansei.

Mas é isso. Minhas vontades, hoje, não estão relacionadas a mudar a minha vida. Na verdade, eu estou muito feliz com a minha vida. Não vejo motivo para querer mudá-la. Pelo menos enquanto estiver feliz com ela.

E eu mudaria, se não estivesse mais feliz?

Com toda facilidade. Mudar de casa, de cidade, de emprego, de relacionamento, de opinião... são coisas que acontecem. Já fiz tudo isso algumas vezes na vida.

E faria de novo. Ou por necessidade ou por vontade.

Eu já havia dito isso tudo que contei para vocês a estas duas amigas. Mas acho que o seu amor por mim faz com que se incomodem com o não entendimento das minhas prioridades – tão diferentes das delas.

Se elas lerem esse texto dirão. “Ah, mas você não se cuida. Não cuida da sua saúde. Ninguém pode viver bem à base de canja congelada e sanduíche de alface.”

É verdade, eu não me cuido. Me alimento mal, não vou ao médico há séculos e recomeço a academia segunda-feira sim, segunda-feira, não.

Mas, sinceramente, credito isso aos mesmos motivos que me fazem não arrumar a cama de manhã e esquecer louça dentro da pia. Falta-me disciplina para fazer coisas que eu não gosto. Simples assim.

Tá, eu sei. É necessário. Está bem, vou recomeçar a academia de novo amanhã. E nem é segunda-feira... E vou tomar mais água.

Ah, também já fui ao cardiologista no inicio deste mês para fazer um check up.

Melhor mesmo não arriscar um infarto antes de conseguir ir aos Lençóis Maranhenses, andar de balão ou ver o mar por dentro.

Seria um desperdício.


Maio de 2010