O BEM-TE-VI

Neste mundo tão escasso de natureza, sinto-me privilegiada, pois tenho meu próprio Bem-te-vi. Ele vive, como eu, no bairro Estoril, em Belo Horizonte, canta lindamente todas as manhãs. Não sei exatamente onde ele mora, se em um buriti, em uma buganvília ou em uma sete copas. Só sei que me apropriei dele, ou melhor, de seu canto. É meu elixir, meu antídoto, minha vitamina diária.

Meu pássaro de estimação é livre, porém solitário. Não ouço o trinar de outras aves, a não ser de raros pardais. Mas ele não se intimida, não se entristece e canta, canta sempre. Ouvi-lo cantar é a melhor coisa que me acontece todas as manhãs. Desperto-me com aquele trinado vivo, decidido e persistente. O seu canto me impulsiona, me traz esperança, torna-me uma pessoa melhor, faz-me acreditar na vida.

Ao ouvir a minha ave cantar, imediatamente lembro-me de minha mãe. Bem-te-vis e ela estão intimamente ligados. Quando eu ainda era uma criança, ela contava-nos, a mim e a meus irmãos, a piada do “Bem-te-vi e do Jeca”. Era bom ouvi-la contar, mesmo a piada sendo sem graça, porque sendo uma mulher de poucas palavras, as raras vezes em que ela se arriscava eram como um presente para nós. Ela contava-nos poucos casos de sua infância e no mais falava só o essencial.

Voltando ao meu bichinho de estimação. Eu ouço o canto de um bem-te-vi, só de um! Não há muitos pássaros no meu bairro. É por isso que este é tão precioso para mim. Ele é como a rosa é para o Pequeno Príncipe. Único. Motivo pelo qual prefiro deixá-lo livre.

Ele é livre, mas sua vida já foi melhor! Antes, onde ele vive, havia uma grande fazenda, e o Bem-te-vi morava em meio a grande variedade de vegetação com alimento farto, e muitos outros de sua espécie conviviam num ambiente perfeito. O homem chegou, não pediu licença e foi logo desmatando tudo para construir ruas, casas e prédios. Hoje ele só tem a sua árvore e algumas outras onde ele vai passear. E o alimento? Pobre amigo! O que será que ele come? Onde encontra seu alimento, em meio a tanto cimento, vidro e aço?

É necessário e urgente cuidar da natureza, do meio ambiente, da água e do ar, reciclar e ter empresas com responsabilidade social. Desta forma estaremos cuidando de nós mesmos, garantindo um mundo habitável para as próximas gerações que, com um pouco de sorte, ainda ouvirão o canto dos pássaros.