Crônica de uma Vida Inteira
Ele não acreditava em Deus, não acreditava nos homens, não acreditava em nada. No máximo - e, ainda assim, nem sempre - acreditava em si mesmo. Tinha consciência de que estava vivo e já havia passado por sua cabeça que tal fato pudesse merecer um propósito. No entanto, não estava certo de como iniciar a busca por este, ou tinha interesse em perder tempo com isso.
Sua vida era extremamente normal. Tão normal que possuía um caráter levemente mecânico. Talvez, se fosse substituído por um robô, ninguém percebesse a diferença. Acordava, tomava café da manhã, saía para trabalhar, almoçava com os colegas, trabalhava um pouco mais, enfrentava o trânsito do horário do pico e, ao deitar-se para dormir, sonhava com a aposentadoria.
Poderiam dizer que ele estava pronto para morrer. Que uma existência tão sem objetivo não tinha mais lugar nesse mundo. Contudo, entre viver e morrer, não seria viver ainda um pouco melhor? Seria esse mundo tão ruim se comparado ao fato da inexistência, ou a enfrentar o julgamento de algum ser superior?
Ele não vivia como se fosse eterno, mas sua transitoriedade não o preocupava. Pelo menos, não superficialmente. A vida não começara boa. Não tivera, como diriam os mais supersticiosos, "boa sorte". Desde menino, ouvira dizer que, se quisesse possuir alguma coisa relevante nessa vida - que por acaso era sua única - precisaria trabalhar duro para tal. E fora isso que ele fizera. No entanto, os resultados mal chegavam à condição de satisfatórios. A vida continuava a ser quase a mesma coisa que fora no começo: privações, sofrimento, uma cruz. E, por isso, deixara de acreditar que algo de bom pudesse exisitir de verdade.
Todavia, lá no fundo de seu ser amargurado, existia alguma coisa que lutava contra toda aquela apatia. Uma esperança fraca, sufocada. Mas uma esperança que queria acreditar que, depois de tantas lutas, pudesse existir, em algum lugar, uma estrela brilhante que iluminasse a trilha do final da vida.