Aos santos de terno e gravata

Agosto avançando e eu posso vê-los praticamente em todos os lugares, ocupando vários pontos da cidade num largo sorriso de pureza. Até parecem santos... Serão santos? Quem são esses homens e essas mulheres tão bem vestidos e com tão puro sorriso resplandecendo na face? De onde surgiram, assim, tão de repente, essas criaturas com tamanha bondade no olhar?

Sei que suas fotografias estão sempre acompanhadas de números e de palavras de boa-venturança, com toda sorte de promessas de um futuro melhor para todos! Para que servem todos esses números eu ainda não sei; sei que as promessas que trazem são maravilhosas, de enternecer o coração da gente!

Lá estão eles, ali, se fazendo acompanhar pelas multidões nas praças públicas, nas avenidas comerciais, na porta das igrejas, dos bares; daqui posso vê-los distribuindo simpatias e promessas em milhares de panfletos, cartazes, alto-falantes, comícios, carros de som.

Se por acaso encontram um bêbado caído na calçada são os primeiros a estendê-lo a mão e dizer: “levanta-te e ande...”. Se encontram uma prostituta não hesitam uma aproximação, conversam, abraçam. Ora, alguns membros irascíveis do povo, ao redor, bradam, esbravejam, protestam, acusam-nos de imorais, sujos, pecadores, como podem se meter no meio de prostitutas homens tão honrados? Mas eles voltam mais uma vez seu olhar complacente para o povo e propõem: “Quem nunca pecou, que atire a primeira pedra”. E o povo se cala, comovido ante a santidade destes homens de terno e gravata!

Homens como esses eu nunca vi. Algumas crianças do subúrbio se aproximam timidamente, algumas até sujas, descalçadas, e lá estão eles mais uma vez abraçando efusivamente as criancinhas, beijando-as e trazendo-as carinhosamente no colo, nessas horas de efusivo carinho súbito suas faces se crispam, tornam-se sérios e erguem a voz para alertar a população sobre coisas importantíssimas, como a necessidade de amar as criancinhas, que são elas o futuro do país, que precisam elas de mais escolas, de creches, que é necessário investir na educação do país! Alguns até distribuem doces e, outros, os mais generosos, não hesitam em distribuir cestas básicas para os mais carentes. São uns amores essas criaturas...

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E então tomado de profunda consternação e estranheza eu me pergunto a Ti, ó Pai Eterno: fostes Tu que enviaste estes homens para nos salvar, nós, os pecadores? Há mais de 2 mil anos Tu enviastes apenas um de teus filhos, que sozinho morreu na cruz para nos salvar de nossos pecados. Mas parece que um filho apenas não fora suficiente. A miséria e os pecados no mundo cresceram como que indiferente à passagem de Teu filho, com ela a brutalidade entre os homens, as guerras, algumas até invocando Teu nome, as guerras santas, essas coisas. Então, foste diante desse quadro tão desalentador que Tu num ímpeto misericordioso decidiste enviar de uma vez por todas esse batalhão implacável de santos?

Pois eu nunca vira, ó, Pai, tantos homens bons assim em tanto lugar ao mesmo tempo! É algo que realmente impressiona e ao mesmo tempo provoca certa desconfiança... Deverei eu suspeitar desses homens? Perdoai, mas esses santos de terno e gravata são tão bons, ó Pai, mas tão bons, que não me surpreenderei se acaso encontrar um deles caminhando sobre essas águas do Lago Paranoá! Palavra de honra, juro!

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Alex Canuto de Melo
Enviado por Alex Canuto de Melo em 09/08/2010
Reeditado em 18/08/2010
Código do texto: T2427202
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