Santa poluição
Minha paróquia está comemorando cinquenta anos de criada, e pelo seu vigário fui solicitado a escrever alguma coisa sobre o jubileu.
Embora, em muitas de minhas crônicas tenha deixado muito claro que acredito em Deus, o inesperado pedido do devotado pároco provocou em mim uma inexplicável inibição.
Não me vi em condições de enfrentar o tema, preocupado, sinceramente, em não cair nos chamados lugares-comuns.
Não queria que minha crônica repetisse, com os consequentes comentários, o que dezenas de paroquianos disseram ou ainda vão dizer a respeito dos cinquent´anos da paróquia aniversariante.
Por exemplo, que ela fora criada pelo decreto episcopal de 9 de julho de 1960, assinado por um dos bispos mais cultos entre tantos que passaram, até a presente data, pela Mitra Arquidiocesana de São Salvador da Bahia, dom Augusto Álvaro, Cardeal da Silva.
Que, consagrada a Nossa Senhora da Luz, desde a sua criação fora confiada aos frades Mercedários; entrando, inevitavelmente, pela história dessa Ordem religiosa e de seu fundador, São Pedro Nolasco.
E concluir, dizendo por que a Virgem Maria é invocada com esse título ao lado de outros que a devoção popular consagrou. Este, um assunto muito mais para os púlpitos do que para uma crônica saída da caneta indigna de um pecador, embora em permanente estado de arrependimento.
O sermão do prelado que abriu os festejos deu-me o mote necessário para que pudesse escrever essas frágeis linhas abordando o jubileu de minha paróquia.
O bispo chamou a atenção para o silêncio dos sinos, que deveriam ter repicado anunciando que a igreja da Pituba, a igreja do meu bairro, estava em festa.
Não sei se os leitores já observaram que os sinos da maioria de nossas capelas, igrejas e catedrais emudeceram.
Os templos modernos já são construídos sem os seus campanários.
Não há mais lugar para os sinos que alguém, destacando o seu significado religioso, os chamou de "arautos de Deus, colocados entre o céu e a terra".
Não é só em Salvador. Em outras cidades de grande porte verifiquei que também lá os sinos silenciaram.
Diferente do que acontece nas capitais européias, como tive a oportunidade de constatar em recente viagem ao Velho Mundo.
Na centenária e ex-comunista Praga, só para dar um exemplo, quem é louco de silenciar os carrilhões do milenar Orloj - o Relógio astronômico - incrustado na lateral de uma das igrejas que embelezam a Praça da Cidade Velha?
De hora em hora eles tocam, e o povo se aglomera em seu derredor para escutá-lo e também ver os bonecos (os 12 apóstolos) que aparecem numa janelinha discreta, arrancando efusivos aplausos.
E assim foi em Viena, em Budapeste, em Paris, e em Roma. No Vaticano, os sinos, sem essa sonoridade toda, continuam repicando, como verdadeiros "arautos de Deus".
Em todos esses lugares, guarda-se a tradição dos sinos que, nos moldes atuais, teriam sido idealizados, segundo Santo Isidoro de Servilha, falecido em 636, "na região da Campânia, Italia, muito provavelmente na cidade de Nola".
No silêncio, pois, dos sinos de minha igreja que aniversaria, fui buscar inspiração para me fazer presente no jubileu de ouro da minha paróquia.
Mas é preciso denunciar por que eles foram silenciados. Argumentou-se, para deixá-los mudos, que eles contribuíam para aumentar a poluição sonora em Salvador.
Ora, a capital baiana é uma cidade canora e ninguém desconhece isso.
Nos fins de semana, transformam-na em verdadeiro palco frequentado por pagodeiros geralmente da pior qualidade.
Fora os carros com as traseiras abertas, som nas alturas, insultando a todos.
Toca-se e se requebra até a madrugada; e ai daquele que se disser incomodado. De repente até poderá ser enquadrado na Lei Afonso Arinos.
Isso, sim, é poluição.
Salvador não terá seu silêncio quebrado com o momentâneo bimbalhar dos sinos de suas igrejas.
E se porventura a voz dos sinos chegar a "poluir" a urbis, que essa poluição seja encarada como santa.
Por que não?
O sino, que "nasceu católico", canta anunciando Deus, desde a mais remota antiguidade,
Minha paróquia está comemorando cinquenta anos de criada, e pelo seu vigário fui solicitado a escrever alguma coisa sobre o jubileu.
Embora, em muitas de minhas crônicas tenha deixado muito claro que acredito em Deus, o inesperado pedido do devotado pároco provocou em mim uma inexplicável inibição.
Não me vi em condições de enfrentar o tema, preocupado, sinceramente, em não cair nos chamados lugares-comuns.
Não queria que minha crônica repetisse, com os consequentes comentários, o que dezenas de paroquianos disseram ou ainda vão dizer a respeito dos cinquent´anos da paróquia aniversariante.
Por exemplo, que ela fora criada pelo decreto episcopal de 9 de julho de 1960, assinado por um dos bispos mais cultos entre tantos que passaram, até a presente data, pela Mitra Arquidiocesana de São Salvador da Bahia, dom Augusto Álvaro, Cardeal da Silva.
Que, consagrada a Nossa Senhora da Luz, desde a sua criação fora confiada aos frades Mercedários; entrando, inevitavelmente, pela história dessa Ordem religiosa e de seu fundador, São Pedro Nolasco.
E concluir, dizendo por que a Virgem Maria é invocada com esse título ao lado de outros que a devoção popular consagrou. Este, um assunto muito mais para os púlpitos do que para uma crônica saída da caneta indigna de um pecador, embora em permanente estado de arrependimento.
O sermão do prelado que abriu os festejos deu-me o mote necessário para que pudesse escrever essas frágeis linhas abordando o jubileu de minha paróquia.
O bispo chamou a atenção para o silêncio dos sinos, que deveriam ter repicado anunciando que a igreja da Pituba, a igreja do meu bairro, estava em festa.
Não sei se os leitores já observaram que os sinos da maioria de nossas capelas, igrejas e catedrais emudeceram.
Os templos modernos já são construídos sem os seus campanários.
Não há mais lugar para os sinos que alguém, destacando o seu significado religioso, os chamou de "arautos de Deus, colocados entre o céu e a terra".
Não é só em Salvador. Em outras cidades de grande porte verifiquei que também lá os sinos silenciaram.
Diferente do que acontece nas capitais européias, como tive a oportunidade de constatar em recente viagem ao Velho Mundo.
Na centenária e ex-comunista Praga, só para dar um exemplo, quem é louco de silenciar os carrilhões do milenar Orloj - o Relógio astronômico - incrustado na lateral de uma das igrejas que embelezam a Praça da Cidade Velha?
De hora em hora eles tocam, e o povo se aglomera em seu derredor para escutá-lo e também ver os bonecos (os 12 apóstolos) que aparecem numa janelinha discreta, arrancando efusivos aplausos.
E assim foi em Viena, em Budapeste, em Paris, e em Roma. No Vaticano, os sinos, sem essa sonoridade toda, continuam repicando, como verdadeiros "arautos de Deus".
Em todos esses lugares, guarda-se a tradição dos sinos que, nos moldes atuais, teriam sido idealizados, segundo Santo Isidoro de Servilha, falecido em 636, "na região da Campânia, Italia, muito provavelmente na cidade de Nola".
No silêncio, pois, dos sinos de minha igreja que aniversaria, fui buscar inspiração para me fazer presente no jubileu de ouro da minha paróquia.
Mas é preciso denunciar por que eles foram silenciados. Argumentou-se, para deixá-los mudos, que eles contribuíam para aumentar a poluição sonora em Salvador.
Ora, a capital baiana é uma cidade canora e ninguém desconhece isso.
Nos fins de semana, transformam-na em verdadeiro palco frequentado por pagodeiros geralmente da pior qualidade.
Fora os carros com as traseiras abertas, som nas alturas, insultando a todos.
Toca-se e se requebra até a madrugada; e ai daquele que se disser incomodado. De repente até poderá ser enquadrado na Lei Afonso Arinos.
Isso, sim, é poluição.
Salvador não terá seu silêncio quebrado com o momentâneo bimbalhar dos sinos de suas igrejas.
E se porventura a voz dos sinos chegar a "poluir" a urbis, que essa poluição seja encarada como santa.
Por que não?
O sino, que "nasceu católico", canta anunciando Deus, desde a mais remota antiguidade,