O Grito da Canelinha
- Arranque-me daqui, por favor! Não me deixe morrer aos poucos. Já que estou condenada, por que prolongar meu sofrimento? Minha sentença de morte já não foi assinada? Já não disseram que há podridão na base de meu tronco? Então por que não me arranca logo e deixa meu corpo descansar em paz na terra dos vegetais de boa vontade? Que espera ainda de mim? Quer me ver completamente seca até o final? É isso que quer? Assistir meu lento declínio até a completa sequidão? Quer me ver transformada numa árvore fantasmagórica? É isso?
- Não, não é isso. Acontece que não é tão fácil sua extração, minha amiga. Lei é Lei e tem que ser obedecida.
- Mas de que Lei está falando?
- Da Lei de Extração de Árvores que homens muito inteligentes criaram.
- O que diz essa Lei que os homens muito inteligentes criaram?
- A Lei é terrível, minha amiga, terrível! Diz que não posso extraí-la daí sem antes tomar uma série de providências.
- Mas que providências são essas?
- Primeiro, segundo informação de altas fontes executivas, tenho que comprar um tal Requerimento Padrão e depois, munida de cópia e original do CIC, RG, IPTU, montar um processo e levar não sei onde e esperar que o processo seja analisado e aprovado e depois de muito blá... blá... blá... uma equipe do Poder Público vem fazer sua extração. Isso pode demorar meses, quem sabe, até anos, sei lá... É isso, minha amiga. É isso!
- Nãoooooooooo....... Por favor, me arranque você mesma daqui. É muito tempo e muito sofrimento. Deixe que meu corpo volte para o pó de onde veio e minha alma volte para o mundo vegetal. Não mereço esse castigo. Não deixe que meu sofrimento se prolongue mais. Não mereço esse castigo... não mereço... não mereço...
- Está bem, seja feita a sua vontade e que o Grande Rei Vegetal me proteja da burrice dos homens.
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Do Livro: "Denúncias Poéticas, Contos e Crônicas" - Pág. 58