Des'Agosto
O pai q existe dentro de mim foi aparecer lá pros setenta e tantos anos. Não esperava antes disso, e muito menos esperava q fosse com um dos meus. Foi com a filha de Zenaide, a mocinha de 15 anos. Sim, já devem estar pensando: “Velho safado”, porém, as coisas não são como aparecem, e peço que escutem minha história sem julgamento ou rancor.
Quando casado, juntei cruzeiros, cruzados, reais e imaginários dinheiros q me garantiriam essa vida-pós-guerra-vida, e hoje funcionam as coisas do seguinte modo: Acordo, fumo cigarro, leio o jornal... – sei q o cotidiano de um velho pouco importa para vocês, mas garantir um minuto a mais de vida já é uma vitória aos tantos anos que passaram despercebidos, e também é no meio do cotidiano que Manô, a mocinha; apareceu.
Pulando as quatro tarefas matinal ( fumar, cagar, ler e comer) vem o almoço na birosca, carne mole para os dentes, arroz com pouco sal para pressão, salada para o intestino funcionar e cerveja Kaiser para mandar tanta saúde, que pouco vale, para a merda. Deixo sempre dois reais de agrado para a garçonete, e assim percebo a mudança de funcionário e qual função estou fazendo: almoçando ou jantando. No almoço ganho uma bala de menta (mal sabem que os velhos preferem as moles, tipo iogurte) e no jantar recebo a gratidão em forma de obrigado. Mas na noite de terça, quarta ou quinta-feira, não sei ao certo, o dinheiro voltou à mesa junto de um perfume doce, cheiro de plebe, cheiro de jasmim. Olho para confirmar que o dinheiro, bufunfa ou grana que seja, é para garantir o natal, o que recebo é o sorriso de Manô, a filha de Zenaide. Ah! Deus, que lindo rosto esculpido no meio de amaranhado pixaim? Nariz tão pequeno, será q sentia o cheiro de velho que o banho já não tira mais de mim? E esse maldito cheiro de Jasmim, era inocência, ou distração? Apenas sei que a colocaria no colo e diria todas as crendices de velho que sei ser.
A pequena deslizava pelo salão, espalhando entusiasmo e ao menos 5 anos de vida a mais para os velhotes, que como eu, a acompanhava com o olhar clemente de atenção. Imaginem uma voz estereotipada por toda ingenuidade e cordialidade que a velhice pode dar, pois bem, essa é a minha. Foi com o tom de solidariedade que interrompi as tantas idas e vindas de Manô, oferecendo-lhe aulas de poesia para auxiliar no colégio, quanta estupidez, foi a prévia certeza q tive, como uma mocinha poderia se interessar por poesias nos tempos de hoje? – a bendita aceitou, e marcamos para os sábados, no horário que roubaria minha sesta.
Comecei apresentando o velho apartamento e o cômodo em qual ficava, em prateleiras, toda a poesia brasileira q cabe no mundo de um sonhador. Ela veio a vontade, pouca roupa e muita renda. Era suspiro quando se virava para contemplar os livros enfileirados. Iniciei a aula com Pessoa em forma de Ricardo Reis “Vossa formosa juventude Ieda”. Ela ria encantada, e se desmanchava com os tamanquinhos de Cecília, poderia levar a pequena para o mundo que bem entendesse, e dar-lhe amor com as palavras que nem ao menos ela ainda compreendesse. “ Daí me amor, dou te ardor” resmungava dentro de mim.
E nesse espasmo de férias de julho, que passei meus sábados encantados com o sorriso encavalado de Manô, com os toques suaves de quem serve um frágil leproso, com perguntas inquietas que calam todas as respostas de estudioso. Manô! Ah! Manô... é assim que me faz como pai, um beijo de despedida, volta a vida, sem rancor, dor ou amor, para me deixar em paz, apenas me desejou “ feliz dia dos pais” e “ até mais”; ou não, pois é assim que os jovens fazem: Nascem, crescem, vivem e abandonam, como eu fiz, como você fará.