Equilbrío distante
No começo da manhã do último sábado, eu estava na Praça do Cruzeiro a aguardar o ônibus que me levaria à faculdade, em Arcos. Durante cerca de dez minutos apenas o clima frio e úmido fez-me companhia, até que chegou uma mulher, já idosa, que sentou ao meu lado à espera do transporte coletivo municipal.
Entediado pelo silêncio, resolvi inquirir minha companheira de poltrona, certo de que ela teria muito saber adquirido ao longo dos anos a compartilhar. Comecei pela política, como geralmente sempre faço. Em ocasiões como esta, informalmente, ao contrário de entrevistas para pesquisa eleitoral, temos o hábito de expressar nossas preferências com o coração.
Surpreendeu-me as respostas da mulher, às vezes com muita razão, equilíbrio, às vezes nem tanto.
- Bom dia! Como vai a senhora? Já escolheu os seus candidatos?
- Não voto mais não, meu filho! Primeiro porque já tenho 73 anos, em segundo porque não compensa. Só mudam os cachorros, mas a corrente sempre é a mesma. Votei no Lula e me decepcionei. Ele prometeu que iria passar o salário mínimo para 400 reais.
Ela estava equivocada. O presidente, na verdade, prometeu elevar o salário mínimo ao patamar de 100 dólares. Hoje está em torno de 160 dólares.
Ela continuou:
- Era a hora de a gente juntar uma caravana de uns três ônibus, ir até o Planalto e dizer “Nós votamos em você, agora viemos buscar o que é nosso” – disse a mulher referindo-se a receber algum “benefício em troca do voto”, prática comum nos currais eleitorais.
E ela justificou:
- Antigamente era melhor. A gente ganhava alguma coisa para votar. Se a gente precisava de uma botina para trabalhar na lavoura, o candidato nos dava. Era uma beleza! Hoje, votar pra quê? De graça? Nós, que somos pobres, temos que parar de fazer a festa dos ricos.
A mulher estava decidida, frustrada e desiludida. Demonstrava ojeriza aos políticos.
Insistente, perguntei-lhe se ela teria ao menos alguma preferência, caso ainda fosse obrigada a votar.
- Eu votaria somente no filho da Maria Olívia. Não falo por mim, que sou sadia, mas porque ela ajuda muito os pobres e os doentes.
Naquele instante, uma mulher terminou de comprar algumas verduras numa feirinha em frente à praça. Ela equilibrou uma trouxa de roupas enorme na cabeça, olhou para os lados, atravessou a rua e passou em nossa frente. Ainda fico surpreso ao presenciar costumes que sobrevivem ao tempo.
- Tudo na vida tem que ter equilíbrio, meu filho!, explicou minha interlocutora.
Naquele momento, Sócrates deve ter revirado na cova. Explico na próxima edição.