SOBRE CANÇÕES E EXÍLIOS
Há momentos em que um homem precisa de rotas de fugas. Chega um dia em que a vida fica insuportavelmente chata e sem grandes atrativos. Nem sempre apenas a realidade nos é suficiente. Chega o dia em que nosso corpo não reclama apenas pelo feijão. Quando a dor não mais é suportável, quando o tédio passa de ferida a tatuagem, é preciso que tenhamos para onde fugir em segurança.
A literatura, a música, o cinema e a arte são o mundo onde eu peço exílio quando este não mais me arrebata. Às vezes, necessitamos de abrigo, de sentir o calor e a proteção de um novo útero. Para muita gente um filme é apenas uma forma de diversão, de passar o tempo. Claro que há filmes que são apenas filmes mesmo, sem qualquer ambição maior do que essa. Mas falo do cinema, da arte do cinema, de outro mundo, de outra vida, da possibilidade do delírio. Há momentos em que a alma não aceita repousar na mesma cama de sempre, com os mesmos lençois empoeirados de sempre. Há momentos em que a alma exige uma ceia mais sofisticada.
Nem sempre o cotidiano consegue exercer encanto sobre mim. Há aqueles dias em que não temos vocação para tentar suportar o chato, ser conivente com os tiranos, ser tolerantes com os capachos. Há os dias em que a mediocridade cheira tão mal que tira do nosso nariz o direito de respirar. Há os dias em que ser banal, fútil, previsível nos causa a mais séria das disenterias. Há os dias em que queremos eliminar de nosso corpo até aquilo que ainda não engolimos. Nesses dias há em nós a mais séria das necessidades, a necessidade de sermos arrancados do meio do joio, de sermos evaporados, desidratados para outra qualquer condição.
Bendita a arte, bendita a unção que se instala no coração dos poetas de todas as artes. Sem o sopro desta forma de vida não haveria qualquer entusiasmo em resistir por tanto tempo. A arte nos salva de nos entupirmos com tanta ignorância, servilismo, parasitismo, nos poupa do patético. É o renovo que precisamos para que a vida, com todos os seus monstros, nos seja apenas uma bofetada e não um linchamento.
Uma bela música ou a pura poesia, às vezes, é o messias que nos arrebata da nossa intransponível Gomorra. O cinema é, às vezes, quem dá vida aos nossos ossos, eternamente destinados a um vale profundo, como previu o profeta. Fora da possibilidade da beleza a vida não é mais do que uma função biológica, o cumprimento de uma ordem. Sem poesia a vida é apenas a saga do feto que, mesmo abortado, implorou para existir, condenado para sempre de qualquer amparo ou compaixão.